terça-feira, 27 de abril de 2010

Diabo sem nome


(Foto de Paulo Madeira olhares.com)

Por detrás da porta fechada
Uma sombra pesava
E o terror era a poeira
Que ao soprar levantava
Uma nuvem negra que ria e troçava
E os seus pés de ferro
Faziam de mim o solo
Onde dançava

Era espectro ou fantasma;
Ou diabo sem nome
Punha na mesa a Ira
E depois ordenava: Come!

E eu apertava os dentes
E a boca encerrava
A minha fome era outra
A do pássaro que voava

Choviam mil punhos
Com lâminas de espada
A ferir a minha estrada

E os punhos eram cunhos
A empurrar-me contra o muro
E contra o muro voltados
Meus olhos revoltados,
Perdiam de vista
O futuro...

E eu retinha os sonhos
De unhas afincadas nos fios
E meus olhos eram rios
Leitos a desbordar, medonhos
Dos venenos que ele me dava

E eu vomitava; E eu vomitava...

(Carmen Cupido)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Avonde


(Foto de Maria Mcginley Photography)

Deixo-te crer
Que me possuis aos punhados...

Toada que entoo
Carme que de cor recito
Para enganar tolos!

Pensas que te pertenço
Mas o verso é inverso

Acerta a hora, ó crédulo
Remonta o pêndulo
Ouve alto, o que baixo penso

Avonde de vida
Bíbulo de morte
Sou Terra
E tu és quem?
Ninguém! Ninguém!

És carne da minha recolta
Que vai, mas o tempo é curto e logo volta
Nem que grites, esperneies de revolta

E com a saliva
Já a babar um Pai nosso
Te roerei osso a osso...

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Vestido de Folhos


(Vestido de folhos de Givenchy Couture)

Travar a ira
Que galga a veia

Matar a aranha
Que tece a teia

Arrancar do ventre
A flor ateia

Aprender a calma
Que sossega a alma

Desembaular a mente
Letargo – ó – dormente

Esquartejar os muros
As grades e os escuros

Vestir os olhos
Com vestidos de folhos

Arrancar as palpebras à cegueira
Antes da partida derradeira

Viver, num último intento
Asas ao vento!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Azulejo


(Letting go Foto de David Ho )


O poema é martelo
A quebrar o que sou
Em mil estilhaços
Para fazer de mim
Mero azulejo
De um cínico desejo

É-me urgente
Aprender a cair
Sobre o solo
Como se o poema
Fosse colo
Braços fortes como o aço
Berço, terço
Cama, regaço
Onde o Eu
Em pedaços partidos
Cai
Perde os sentidos!


(Carmen Cupido)

sábado, 3 de abril de 2010

Apenas

                           
                                             (La Vita, Foto de NãoSouEuéaOutra) 

Sentado no meu colo de luz 

A criança de ouro, Apenas. 

Coroa de louro, Apenas. 

O Divino, Apenas. 

O Messias, Apenas. 

O menino, Apenas. 

Mede dois palmos, Apenas. 

Tem o peso dos salmos 

Que o contam; que o contêm

Apenas. E eu sou quem? 

Sou Mãe, 

De regaço pleno Apenas. 

(Carmen Cupido)

Subir ao Céu


(Foto de Marcio Farias (?) )

Uivante, o silêncio
Que tapa os gritos
Olhos aflitos
De lobo dorido
Que me sou, ferido

Vi-me tormento
Corcel alado, na garupa o vento
Correr veloz, vai nervoso
De alento fugoso
Subir ao céu
Rendido réu
Suplícios meus
Prosternar-se aos pés de Deus
Para saber de ti...

Viro costas ao inferno
Berro alto o lamento ácido terno
É Abril, é Abril
Idosa a lágrima, purpúrea a dor, rio senil

Chorei-te ausente
E o cravo não mente
E o silêncio dormente
Acordou suado
De voz coroado
Da menina em mim
A chamar por ti
Num queixume sem fim

Faço do meu corpo cunho
Carnal ferro punho
E bato à porta do omnipotente

Toc, toc, toc!

(Carmen Cupido)