quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Rosa Púrpura


 


Rosa
Antes de tempo, tolhida
Em tormenta profunda sofrida
Declinou a suavidade
Das pétalas da vida
Espetando os dedos
Sem credos nem medos
Nos espinhos letais
Elegendo assim
O fado ou a sorte
de respirar a agridoce
Fragância da morte
Num canto precoce
Face aos tantos desencantos
Dos seus sonhos empalecidos

Sua alma empurpurecida
Perdeu de vista
A terra prometida
De onde tanto esperou
O leite e o mel
E afinal só o fel
Lhe inundou o peito
No insuspeito despeito 
Da dor de viver monstruosa
Que lentamente, impiedosamente
Dizimou a primorosa
Rosa.

(Carmen Cupido)

domingo, 5 de setembro de 2021

Entre o céu e o ninho



Com ar de cansado
Entra o sentimento
De peito dorido
Pelo desfiladeiro do lamento
A dentro...

O vento uivante
Dispersa seu grito dolente
Aos quatro cantos
Da dor estridente
De te saber ausente...

Tu,
O abscôndito
Em lugar ábdito
Vestido do hábito 
De pessoa indiferente
Teu peito de gelo
A esquivar-se de mim
Inclemente
Sempre...

Até que
Meu amor por ti, outrora ardente
Já por terra
Álgido - padecente
Desaprendeu a próprio custo
O som da tua voz
Os traços do teu rosto
E até o teu nome
E de ti, agora
Só me resta a fome
E os meus lábios inconsoláveis
Que nunca viram chegar a hora
De beber da tua boca
O néctar do amor
A poção curandeira
Capaz de transformar
Mundos assombrosos
Em auroras rutilantes
Dias luminosos
Onde as únicas penas
São as dos pássaros
Que o meu e o teu olhar
(Desde pontos cardinais tão diferentes)
Veem viravoltear
Nas alturas...

Sabes, amar...
Seguir o rumor do coração
Não é e nem nunca foi prisão
Os pássaros, eles
Já aprenderam a lição
Que o amor se situa a meio caminho
Entre o céu e o ninho!

(Carmen Cupido)


 

domingo, 27 de junho de 2021

Só a tua voz, Amor


Só a tua voz, Amor
Pinta estrelas no alto do céu da minha alma reclusa
Da escuridão e do silêncio que a vida me dá para comer
Como se fosse o meu pão de cada dia.

Só a tua voz, Amor
Aflora o meu corpo dolorido como se um unguento fosse
Feito de pétalas brancas que, com sua carícia suave,
Desperta leve, levemente, a minha pele adormecida.

Só a tua voz, Amor
Inunda o meu peito com o chilreio exultante
De pássaros mil que se aninham nas entranhas
Dos tantos poemas que eu te escrevo.

Só a tua voz, Amor
É água clara que me lava as mágoas
Quando os meus olhos caiem no mar surreal
Que tu tens no fundo dos teus.

Só a tua voz, Amor
Semeia versos nas pradarias ensolaradas do papel
Como papoilas cor de carmim
A ondular, altivas, no horizonte.

Só a tua voz, Amor
Se faz mãos a pousar sobre as minhas
Como a abelha melífera sobre a flor
Nas madrugadas de Primavera.

Só a tua voz, Amor
Declama cânticos fecundos e melodias antigas
Que me abraçam e me acalentam de amor e ternura
E espantam, por um segundo que seja,
Esta gélida e voraz solidão que me entorpece e me devora.

Amo a tua voz, Amor
Sempre; sempre e mais ainda na distância
Quando o seu eco, a desafiar o furor dos ventos
Me toma de assalto com os seus intérminos sussurros de saudade.


(Carmen Cupido)

quinta-feira, 3 de junho de 2021

O Infinito



Quem és tu, ó grande imprudente

Que vens amotinar meu Ser dormente

Nesta quase perfeita quietude

Que teci para me esconder de ti

 

Vens e vais e vais e vens

Como os relâmpagos estrondosos

Estilhaçando, impiedosos,

Esta árvore ressequida que me sou.

 

A tua voz, ainda que melosa,

Cai em mim como a trovoada

Que me zoa, ruidosa

Desinquietando-me a alma

 

E quando as tuas mãos me tocam…

Oh, quando as tuas mãos me tocam

Envolvendo-me, por um segundo que seja,

No manto balsâmico que tu sempre foste para mim

Logo o sentimento que tão profundamente soterrei

No abismo que me habita,

Desperta e se agita.

 

Sinto teus olhos medir meu ser inteiro

E nos meus pousados, me adentram, ousados

Com a magnificência de um sol ardente

Que, triunfante, vem desaguar

No mar das minhas veias

 

 De cada gota me inebrio

Porém, sei, sem perder o norte

Que mora, em mim, a pouca sorte

De não ter trono no teu peito

 

Se és aquele que sabe ver

Mundos em grãos de areia

Céus vastos em flores selvagens

O infinito em palmas de mão

Porque é tão cego teu coração

Ao amor que por ti sinto?

 

Não sei se amar-te

É obra de fada ou fado amaldiçoado

Sortilégio ou sina que me tem

Criatura presa, dos teus lábios rosáceos

 

Eu só me sei

Terra de ti fecunda

Onde mesmo na tua ausência

 Tua presença me inunda.


(Carmen Cupido)




 

domingo, 16 de maio de 2021

O Rugido da Papoila



Não me quero mero adorno de vaso

Ou ornamento delicado em cerceado jardim

Quero ser tudo o que sou e o que sei de mim

Liberdade do Eu em contínuo extravaso

 

Não me quero rosa bela e aveludada

Quero-me antes papoila livre e arrojada

Cor escarlate ao vento ondulante

A inflamar o horizonte com o rugido gritante

De uma Leoa feroz quando instigada

 

Papoila bravia que não se deixa cativar

Ser que não nasceu para se deixar murar

Ornato fútil num qualquer vaso ou jardim

Quero ser tudo o que sou e o que sei de mim!

 

(Carmen Cupido)


 

domingo, 2 de maio de 2021

Vida...



Vida…

 

Louca, pulsa na veia

Centelha que encandeia

O negro vazio da inexistência

Insuflando-lhe essência

 

As primeiras rajadas de ar respiradas

Irrompem então no meu peito

Fazendo de mim um leito

De promessas inspiradas

 

Logo em mim latem

Possibilidades infinitas

Que à minha porta batem

Com mil histórias inauditas

 

Abri de leve e por um momento

Meu inteiro ser entrevira

Entre duas braçadas de vento

O delicioso sol de Primavera

 

Haverá, pois, muito sol e haverá flores

Haverá sonhos e amores

Muitos risos e abraços

Cores e muitos laços

 

Mas, mais além

Os longos invernos

Os escaldantes infernos

Os dias em que chorarei

Os dias em que sangrarei

Estarão lá, também

 

Serei, tantas vezes, um passarinho triste

Uma Alma cansada que desiste

Em vez de néctar, serei fel

Nos dias amargos, sem mel

 

Mas tudo isso é a vida

Ora murcha, ora florida

Os espinhos pertencem à rosa

Ora bela, ora dolorosa!

 

(Carmen Cupido)

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Corcel Alado



Meia amargura, meia doçura
Meia laranja que nunca foi
Meia ausência, saudade inteira
Meio amor secreto e puro
Meio castigo agrio e duro

Meia treva no coração
Meia luz na escuridão
Meio canto na voz hasteado
Meio suspiro na garganta travado
Meio respiro que se expira para dentro

Meio alento em desalento
Meio vazio em peito farto
Meia coragem no intento
De te guardar por perto

Corcel alado de voo abortado
Pedaço de mim à força arrancado
Um tudo que ficou em nada
Na ponta da espada
Que a vida brande contra mim

Assim tu és, em mim!

(Carmen Cupido)

 

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Chove


Chove.

Há uma nuvem escondida
Mágoa antiga, cinzenta - encardida
A verter no meu peito.

Sinto que os meus olhos molhados
Acenam à tua ausência, túmido - demorados
Com a mão acirrada da Saudade.

Tanto, que se paro e escuto por um momento
Brada a tua voz no lânguido brado do vento
E o meu coração já apertado, freme, desassossegado.

Como tu não chegas, Amor
Vou desfolhando a desdita ferida
E o teu nome adormece na minha alma dolorida.

Sei que se penso em ti, logo existes
E logo existo, mas não mais avisto
O sonho em que nos vi.

Chove.

E só a chuva vem bater à janela
Para saber de mim no desfiar das horas
Diz-me Amor, porque tanto te demoras?

(Carmen Cupido)


 

domingo, 11 de abril de 2021

Numa só rosa



Se no meu peito ainda late a poesia
E no meu sangue corre o verso sem repouso
Levando sustento ao poema transfuso
Que outrora jazia em avernal amnesia

Se lá mora o sentimento todavia
E lhe sobra sementes à palavra
E a pluma insistente, porém tremente, ainda lavra
A garganta árida e bravia

Se ainda me sobra alento
Para desfolhar as pétalas do tempo
Plantar grãos de calma na alma
E não desesperar na espera

Se, ao cair por terra, a penosa dor
Criou raízes e se fez flor
Então, crê em mim, por favor
É amor...

E se o amor é uma dádiva preciosa
E toda a primavera cabe numa só rosa
Assim tu caberás em mim,
Por fim!


(Carmen Cupido)


 

domingo, 28 de março de 2021

A Hora



Quero ser a tal campânula
Soltar-me do solo que me encasula
Perfurar os medos que me têm
Derreter os gelos que me contêm
Ferida, detida, a jamais retida
Quero erguer-me ao Sol, levantar-me à vida
Oro a hora; ora embora...

(Carmen Cupido)