A
fingir-me poetisa, tentei escrever o silêncio. Quem já o ouviu, diz por aí que
o bicho não se deixa apanhar, nem ouvir e muito menos escrever, mas eu não acreditei.
Com a primeira pluma que me caiu na mão, lancei o laço ao indomável dragão.
Refreei-o bem, rédea apertada, para que não fuja e, sobretudo, não cuspa o fogo
para que o corpo do silêncio não se faça cinzas antes mesmo que o som se faça letra
deitada no papel. O primeiro gatafunho que sarrabisquei era uma dor que vi sair
da boca, mas a dor era amarga e a garganta estreita. Parei logo. Apaguei.
Depois,
armei-me de coragem e deixei-me escorregar caminho abaixo. Qual poetisa, meia
sem jeito, se detém sem escrever o feito? Com medo ou sem, avancei. Quis continuar a
rebuscar, mas o declive era íngreme demais e resvalei mais do que muito além;
fui parar onde eu não queria, de traseiro ao chão, à entrada do coração. No
coração não quis entrar. Eu tinha a certeza de que aquilo era feito de areias
movediças ou, pior, de lava de vulcão. Incinerar-me tão cedo, isso não! Temi lá
entrar; confesso, agitava-me o medo de encontrar o amor que lá morava morto,
envenenado por tanto desamor que lhe deram a provar. Dessossegou-me o
pensamento de lá encontrar os afetos virados do avesso feitos desafetos, as
ilusões afogadas em desilusões e os sonhos esvaecidos! Sim, parei e não entrei.
Olhei para trás, quis apagar as linhas e contra linhas que acabei de rabiscar,
mas o coração era um tal resvaladouro que não consegui escalar. Como voltar
atrás não podia, prossegui, mas logo, logo me arrependi. Não é que no meio do
peito, havia um horrífico cavernal vazio! Chame-se-lhe brecha, chame-se-lhe fenda,
chame-se-lhe escarpada fissura, cair de alto seria morte segura. Olha o suor
fino pelo rosto a baixo. Num desarmónico sobressalto, a linha do silêncio
quase, quase irrompeu num primeiro tímido rugido, mas mal saído foi logo, logo
engolido. Dei meia volta e procurei um outro atalho que me levasse ao segredo
do silêncio.
Foi
então que, de longe, avistei uma espécie de gruta, uma espécie de túnel e ao
fundo, uma luz! Pensei para mim mesma: Eureka, é por aqui o ventre onde o
silêncio se faz criança! Mas ai Deus, nem quero contar o que eu lá fui
encontrar.
Pois
é, aquele ventre era mais um pantanal cujas águas eram compostas por um
emaranhado tal de dores passadas, de deceções vividas, de sangue vertido e, não
é que, as lágrimas que derramei a vida inteira, e que julgava esquecidas, evaporadas,
estavam ali desaguadas. Aqui e acolá, no meio de tamanha miscelânea, lá ia encontrando
uma alegria vivida, um momento de graça, um riso, um poema escrito ou um filho
parido e ainda bem, respirei de alívio, respirei fundo pois nem tudo o que
silêncio contém é infesto! Soube então que, ali, na introspeção e no silêncio
que procurava encontrei, afinal, a minha própria vida a querer deslizar de mim
como a gota de orvalho cai da rosa ao primeiro raio de sol.
E
como reter algo que quer voar de mim? E como voar, se não se tem asas? E foi
assim que fui saber de mim no espelho branco da parede da minha sala e, sem
grande surpresa, descobri-me Pássaro na gaiola! E se o ditado diz que pássaro
na gaiola não canta, lamenta; concluo que sou uma alma feita de chilreios
abafados!
Alguém,
por favor; alguém que me ensine a liberdade!
(Carmen Cupido)
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