sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Deste lugar onde, do alto do sono, o sonho alcança a vida


























(Ausente de mim no sono, foto de Carla Salgueiro)

Clarim,
Não chames por mim
É cedo
Não toques a alvorada
Nem com um dedo

Minha alma alada
Cílios ao vento
Foge do tormento
Da madrugada

O sono é ninho, é regaço
E o sonho, papoila ondulante
Moçoila ao braço
Do seu amante

No alto do céu
Estrelas vagarosas
Que na cauda arrastam rosas
Até aos confins do meu peito

Recuso o leito
Da promessa vazia e vã
Da inóspita manhã
Que me dás

Já te disse Clarim,
Não chames por mim
Não esforces a melodia
A acordar cinzentos no ventre do dia

Deixa-me na noite, deixa-me dormir
Chama-lhe sonhar, chama-lhe fugir
Mas não me chames ao corpo,
Ao torpor, à dor
Viva da carne

Eu quero o peito repleto
Sentir-me dona de um céu sem teto
Suster o voo eterno
Afastar o inverno
Deste lugar onde, do alto do sono, o sonho alcança a vida!

(Carmen Cupido)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Palavras que mato



Mordo

Mastigo

Engulo

Que o açúcar, o sal e o sangue

Das palavras que mato cá dentro

Saciem o silêncio

Que me mata

Morde

Mastiga

Engole !


(Carmen Cupido)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Para além das horas



Porque te demoras, Amor?
Porque não vens?
Em que louvor de verso
Em que planeta reverso
Te perdes, te reténs
Qual o astro que encavalgas
Sem jamais descer
Ao chão da vida a decrescer

E o tempo a matar; E o Amor a morrer...
E o tempo a matar; E o Amor a morrer...


Demoras,
Para além das horas
Para além da dor, Amor
E já que não vens à curva do desejo
Onde eu te espero, onde eu te quero
Berrantemente beijo
A palavra em que te vivo e te invento!

(Carmen Cupido)

sábado, 4 de dezembro de 2010

À meia-luz



É em ti
Que o meu coração
Se pendura
E sem medir a acção
Pica, pica; Fura, fura
Cava, lavra, semeia
Centelhas na noite
E a primeira estrela
Logo se ateia
No alto de ti
Que para mim és céu...
Bate, bate o coração
Bate o meu, bate o teu
É uníssono o som
Das harpas que soam
No fundo das íris
E até as veias
Limpam as teias
Para que o sangue dance
À meia-luz!

(Carmen Cupido)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Massa sem jeito



Toma o meu corpo, Amor
E desculpa a hóstia amarga
Desta massa sem jeito

Oxalá tuas mãos, Amor
Lhe dêem o jeito
Das flores que me bailam no peito

Oxalá teus olhos, Amor
Passem sem ver a carne disforme
Para somente reter a luz
Que nas formas se funde

Dou-me, num abandono nu
E o vestido é tão cru
Que não se adivinha
Que o seio pendente é afinal uma estrela cadente
Que a coxa grossa e colada é planície semeada
E a barriga redonda, ai Amor é onda
Pronta a enrolar-se...

Sabes, Amor
Que nesta hora, até o arrepio cora
Nos poros, na pele; e o corpo ora
Porque não tem onde
E a carne, onde se esconde?

Toma o meu corpo, Amor
E desculpa a hóstia amarga
Desta massa sem jeito

Dou-te tudo de mim, Amor
A pureza, o sol, o fruto, o sabor
Tudo o que tenho
E se de mim medires o tamanho
Que seja só o do coração!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Ai os meus olhos a salivar



Vou
Escutar por dentro
A palavra Amor
A desabrochar...

Estender os ramos
Como quem estica os braços
Para nos abraçar...

E eu, aqui sentada
Nos teus lábios, ferrada
Beberei, ávida
A aurora orvalhada
Do seu eco...

Ai os meus olhos a salivar!

(Carmen Cupido)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Safira líquida



Silêncio...
Tudo é paz
Na crisálida do segredo
Calo, não digo nada
Ainda é cedo
Para acordar a rosa no ventre
Se falar, tenho medo
Que a palavra prematura
Cave na terra a tumba
Antes da hora...

Silêncio,
Só a safira líquida
Que me sai da alma
Rompe o vento...

Num breve bater de asas!

(Carmen Cupido)

domingo, 21 de novembro de 2010

Estrondo


(Gota sobre dedo Foto de David Dominguez www.flickriver.com)


Estrondo,
Entranhas a implodir
Cavam em mim um poço fundo

O sentir estilhaçado
Disfarça as águas vivas
Na curva do silêncio

Moribunda,
A palavra órfã
Afunda a dor vã

A lua chora
Pérolas nos meus olhos
E depois da vírgula, ora

Para que um dedo teu venha, e as recolha!

(Carmen Cupido)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Se o mundo fosse um campo de milho



À rajada
Raiar um trilho
Entre espigas de milho

E logo ali, no chão
Matar a fome
Trincar o pão

Come
Tremebundo
O mundo
Esfomeado de tudo

Até de inocência...
Essa incerta ciência
Que nos quer fazer acreditar

Que é Deus que nos põe o pão na mesa!


(Carmen Cupido)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Foz de mel



Estica o caule, a flor
Para alcançar mais alto, parecer maior

Estico eu o dedo
Para acordar o sangue, abafar o medo

Na hora de tocar, ao de leve
A palavra breve

Que a tua boca solta
E que eu, ávida, espero na volta

Já com os meus lábios prontos, postos
Na tua foz de mel...

(Carmen Cupido)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Poesia em sangue




Decaída
Salto quebrado
Unha roída
A palavra dá brado
Brando ao poema

Vagaroso
O verso vai
Verde na veia
E na garganta
Só o silêncio se ateia

Morre a poesia
Sem encontrar cura
E nas artérias da Poetisa
Já nem a dor madura

Só a morte grita no sangue!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Vives alto ó Sol


(Foto de A. Brito Olhares.com)

Vives alto ó sol, dentro de mim
E eu presa na tua altura
Por fios escorregadios ; braços de cetim
Que se me pousam à cintura

Como escalar o sol, se é tão lasso
O nó desse abraço, leve, frágil enlace
Prestes a desfazer o laço

Vives alto, tão alto ó sol, aqui dentro
Que me perco na vertigem da subida
E dessangrando, já turva, entontecida
Cravo (ai Deus que caio!) as unhas bem ao centro

Sim!Sim!
Ao centro de ti, ao núcleo ardente
De um beijo puro e quente
Da minha boca no teu peito
E sem querer solto, muito sem jeito,
Um Amo-te que se aninha em ti, seu ninho
Como um chilreio suave de passarinho…

(Carmen Cupido)

sábado, 9 de outubro de 2010

Espargata existencial

 

Pergunto: Possuo certezas; ou são as certezas que me possuem? 
Será que chegou o momento de aprender a perder pé? 
Atirar as certezas da vida para trás das costas 
Aceitar nem sempre encontrar respostas 
Deixar de viver 
Só em caminhos traçados 
Sem desgostos, sem dúvidas, sem surpresas, bem delineados
Deixar-me contagiar por um grão de loucura 
Pendurar-me de pernas para o ar 
No pedaço de céu que vou conquistar 
Quando abater os muros, e desabar 
O tecto desta casa exígua que me sou... 
Ser a outra; Ser vampiro 
E morder a exclamação, ferrar o suspiro 
Que os meus olhos vão arrancar à minha boca 
Quando me virem fazer o pino face ao meu novo infinito 
E que interessa se estou às avessas 
Se só assim o mundo reverso Do seu avesso me vê às direitas... 
Sim, sim... 
Vou quebrar os limites que viraram teias 
Fazendo a grande limpeza ao Ser por dentro 
Se quero estar pronta para a espargata existencial, 
É melhor começar já a aquecer os músculos do Eu

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Nota estridente




Urge
A nota estridente
Urgente
No bico da Musa
Afia a palavra
Desusa
Que enterrei, antão
Nas entranhas do coração

Ai Amor, o canto agudo
Da esmeralda esculpida
Que se me sobe à boca!

(Carmen Cupido)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Coisas da vida e mais além


(Vénus, Foto de Paulo Madeira olhares.com)

Por entre frinchas de terra e céu
Arrancarei à Morte seu véu
Ver-te-ei então e sorrirei
E com os meus olhos postos no teu rosto de eternidade
Todo o tempo do mundo caberá num grão de perenidade

Falaremos, muito! Ai se falaremos...
Sobre tudo e sobre nada
Sobre as coisas da vida e mais além
E as nossas mãos serão asas, palavras a sobrevoar
As velhas feridas que procuramos sarar
Remos, remos a remar
No líquido sereno que o instante contém

E assim, de corpo e alma abandonadas
Entre duas dimensões deitadas
A partida não mais dói nas nossas vozes cruzadas
Porque os anjos e as fadas
Com um sopro quente, sopram doce docemente
E a ferida já dormente
Por fim cala!

(Carmen Cupido)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Palavra oca


(Hole, foto de Paulo S. Olhares.com)

Palavra oca
Cuspida à toa
Da vil boca
Nunca toca
O centro
Da atenção
Nem muito menos
O fundo
Da questão
Não é pergunta
É afirmação
É rotundo
O buraco
Fura, fura
Dura
O bate-papo
De encher saco
Tanto, tanto
Que até o ouvido
Queima, arde
Com tal zumbido
É o discurso do tolo, do torto
Que tarde ou nunca se endireita
Ao espelho, é narciso que se ajeita
Sempre colado, absorto
Aos próprios lábios, porém pouco sábios…

Mas isso, ele não sabe!

(Carmen Cupido)

sábado, 21 de agosto de 2010

Flutuar



Caminhar sem caminhar
Apenas flutuar
Ver do alto a vida a desfilar
Sem levantar o olhar
Às cegas, trepar as horas
E com os pés incandescentes
Selar o peito

Viver sem viver
Sem sair do caminho
Por medo de perder
Os olhos no fundo das lágrimas
Que afogam o pergaminho

Viver a correr, viver a fingir
Antecipar a dor
Temer tudo, até o amor
Fugir, fugir, fugir
À frente do sentimento aflito
Não querer ouvir o grito
Quando a vida te arrancar de mim
Como ao pássaro, as penas!

(Carmen Cupido)

Encruzilhada


(Foto encontrada aqui: http://itinerariodaalma.zip.net/images/olhar41.jpg)

Na encruzilhada do nosso olhar
Um raio zumbe no céu
Do nosso mútuo silêncio
E antes de se saber cinzas
Ou talvez diamante esculpido
Fulminado, este cai
Enclaustro,
No nosso abraço
Mudo
E imaginário!

(Carmen Cupido)

terça-feira, 20 de julho de 2010

O diabo à espreita


(A Medusa e o Diabo à espreita, foto de Torres Martins olhares.com)

Estás à minha espreita, ó cão ávido
É na esquina que me esperas, frio, impávido
Queres na minha carne fincar um dente
Salivas já o sabor do meu sangue quente?

Ai seu diabo, mil vezes maldito...
Queres ver-me cair, para depois rir
Do meu desajeito, do meu olhar aflito?

Toma todos os cuidados
Ao sair do teu buraco
Não vá eu fazer caco
Dos teus cornos delicados!

Vê lá com quem te metes, ó seu grande cão
Se eu eu fosse tu, ó seu cornudo de um raio
Não teria certeza que sou mesmo eu que caio
Fanfarrona, fanfarrona enquanto podes, ó seu fanfarrão

Quem sabe se não sou eu que te empurro
E se não vais, juro que puxo à força o burro
Um rasto de pólvora no teu cu que empesta
A queimar no inferno, olha só a festa!

(Carmen Cupido)

Poema dedicado ao meu amigo e grande poeta João de Sousa Teixeira
( João: as poetisas sensíveis também têm humor! )

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ao voltar da esquina


(Foto de ?)

Jamais vergar sob o peso das palavras
Ditas ou não ditas, deixar-se de fitas
Calou-se o canto ao amor?
E agora? Aclama-se a dor?
Parem os lamentos, por favor!

Toca a levantar, ficar de pé ainda que oca
Nestes ingratos momentos da vida
Em que só os escombros têm boca
Há que reter o sangue no seio da ferida
Com mãos, com panos, com punhos, com tudo
Acordar a alma, desarmar o escudo

Digna, nobre, erecta.
Fazer das tripas coração
Abrir os olhos, deitar fora a inútil oração
Colar os sapatos à linha recta
Que te leva, sem mesmo saber para onde
Não perguntes, o caminho nada esconde

Dentro do caminho só mais caminho
Nunca ouviste dizer que caminhar é viver
Não temas, quebra as algemas,
Empurra o ovo do conformismo do ninho
Que te prende, que te enjaula o ser

Vai, voa,
Segue a tua sina
Ao voltar da esquina
Já a voz do mundo ecoa
A chamar por ti!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Caramelo



A palavra persiste e lavra
Traça a linha, é fundo o traço
Que cava, ninguém a trava
Entre a ponta e o ponto
Lá vai ela, desaperta o laço
Antes de arrombar a porta de aço
Onde escondo a minha alma
Água mole em pedra dura
Tanto bate até que fura...
Fura a eito, fura o peito
Pára, que dói!
Ai a palavra que mói
Por dentro quando não a enfrento
Cedo; Assusto o medo
E conto dedo a dedo
As vezes em que perco o ponto
Quando, tonto
Meu coração livre e destravado
Sobe, sobe, do ventre à poesia
Fala de ti, de ti fala e ninguém o cala
É uma língua que se desenrola
Que pica, atiça, belisca
Tanto, tanto, a boca tola
Que, inteiro, tu és isca
Caramelo que se me cola
Ao céu do meu poema...

Ai, Amor! Se não fosses tão doce!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Um dedo teu de silêncio


(Silence Foto de Tiago Phelipe Olhares.com)

Um dedo teu de silêncio
Pousado nos meus lábios
Enjaulou estrelas cadentes
No céu das minhas tripas ao léu

E com a porta do ser encerrada
Já nada canta no decesso peito
Nem com nem sem jeito

Roubaste-me a poesia e o seu encanto
E o canto da lágrima, silenciada
Rasga a veia no recanto da alma

Tudo em mim se morre...
Murchas, as rosas deixam de ser, na minha boca
E as palavras são pássaros degolados
A cair aos molhos dos ramos ressequidos
Das árvores do mistério que afinal não o é

Afogo-me e não me acodes
No rio constelado dos segredos
Que de garganta aberta,
Se me verteu para dentro

Resta-me a voz dos olhos
Que dança ferida,
Perdida na voz do vento
Que se lamenta no meu lugar.

Resta-me esquecer o teu reflexo de astro brilhante
Sobre a minha sombra de mera humana

Resta-me trilhar a pé nú
A senda atulhada do Adeus
Onde à espreita, me espera
Um grito órfão de cão mal morto
Que não soube morder a pleno dente
O amor e a vida!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Oração a um anjo de luz

 (Anjo de luz, Foto de Lorena Castro olhares.com) 



Mãe,
Desce à terra 
Do céu que te contém 
Vem, mas não contes a ninguém 
Que te chamei, que preciso de ti 
Como a criança que chora... 
Ao seu anjo da guarda ora... 
Sabes? 
Que sob as mantas que cobrem meu corpo de mulher 
Sou ainda a menina que te roga 
Que pintes de azul os meus sonhos maus 
E que afugentes o monstro do armário 
Que se me cola ao sono intranquilo 
 Vem, ó anjo meu 
Guardar-me inteira; Guardar-me intacta 
Chulear com os teus dedos de luz 
Os rebordos do que sou em ponto de cruz 
Para que a minha alma 
Não se desfie em mil linhas de dor 
E que o meu Ser em pedaços 
Não rasgue os seus últimos laços 
Entre as frinchas do dissabor 
Mãe, 
Desce à terra 
Do céu que te contém 
E por um instante apenas 
Tão breve como um bater de pestanas 
Arranca as asas que te dão leveza 
Deixa a porta aberta, a luz acesa 
Suspende a eternidade 
Onde o tempo não se conta e não existe idade 
 Vem e afaga-me! 
Vem e abraça-me! 
Por um instante apenas 
Tão breve como um bater de pestanas 
Depois, podes ir. Subir, subir 
E nem eu tenho a força para te reter 
Nem espaço em mim para te conter! 

(Carmen Cupido)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Recto


(Foto de ?)

O recto
trajecto
Entre o teu respiro
(Que me inspira;
E que eu inspiro)
E o meu verso
Rubro
Suspiro
Reverso
Que revira as linhas
Do avesso
Para te amar
No segredo
Das entrelinhas
É uma corrida
Com partida
Nas palavras
Que tu lavras
Na intemporal ferida
Que me ensina
A minha sina...

Em silêncio!

(Carmen Cupido)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A única luz que se tem


(Foto encontrada aqui: http://sefelia.altervista.org/_altervista_ht/piccola_luce.jpg

Não sou eu, Amor
Quem te escreve cartas de amor
É a dor; a dor, Amor
Que se desfaz
Lacrima palavra que jaz
Nas madrugadas de papel
Onde se deitam os sonhos infantados
No colo das fadas que têm asas de cristal
Ouve a dor, Amor
Vai sentada na garupa da onda
E o seu sorriso de Gioconda
Baixinho te conta
Que a maré alta
Baixa, baixa, me foge da alma
Quando o mar, Amor
Se me retira da pele
Para ir atrás de ti
E me deixa aqui
Ai, razia; Ai, vazia
E sabes, amor?
Para me consolar
De não seres meu
De eu não ser tua
O céu deu-me a lua; o céu deu-me a lua
Mas para quê, amor
Querer a lua
Quando se conta hora a hora
Chamando, rogando a aurora
E se desespera na espera
Porque o sol não vem
E a única luz que se tem
É de cera!

(Carmen Cupido)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Diabo sem nome


(Foto de Paulo Madeira olhares.com)

Por detrás da porta fechada
Uma sombra pesava
E o terror era a poeira
Que ao soprar levantava
Uma nuvem negra que ria e troçava
E os seus pés de ferro
Faziam de mim o solo
Onde dançava

Era espectro ou fantasma;
Ou diabo sem nome
Punha na mesa a Ira
E depois ordenava: Come!

E eu apertava os dentes
E a boca encerrava
A minha fome era outra
A do pássaro que voava

Choviam mil punhos
Com lâminas de espada
A ferir a minha estrada

E os punhos eram cunhos
A empurrar-me contra o muro
E contra o muro voltados
Meus olhos revoltados,
Perdiam de vista
O futuro...

E eu retinha os sonhos
De unhas afincadas nos fios
E meus olhos eram rios
Leitos a desbordar, medonhos
Dos venenos que ele me dava

E eu vomitava; E eu vomitava...

(Carmen Cupido)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Avonde


(Foto de Maria Mcginley Photography)

Deixo-te crer
Que me possuis aos punhados...

Toada que entoo
Carme que de cor recito
Para enganar tolos!

Pensas que te pertenço
Mas o verso é inverso

Acerta a hora, ó crédulo
Remonta o pêndulo
Ouve alto, o que baixo penso

Avonde de vida
Bíbulo de morte
Sou Terra
E tu és quem?
Ninguém! Ninguém!

És carne da minha recolta
Que vai, mas o tempo é curto e logo volta
Nem que grites, esperneies de revolta

E com a saliva
Já a babar um Pai nosso
Te roerei osso a osso...

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Vestido de Folhos


(Vestido de folhos de Givenchy Couture)

Travar a ira
Que galga a veia

Matar a aranha
Que tece a teia

Arrancar do ventre
A flor ateia

Aprender a calma
Que sossega a alma

Desembaular a mente
Letargo – ó – dormente

Esquartejar os muros
As grades e os escuros

Vestir os olhos
Com vestidos de folhos

Arrancar as palpebras à cegueira
Antes da partida derradeira

Viver, num último intento
Asas ao vento!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Azulejo


(Letting go Foto de David Ho )


O poema é martelo
A quebrar o que sou
Em mil estilhaços
Para fazer de mim
Mero azulejo
De um cínico desejo

É-me urgente
Aprender a cair
Sobre o solo
Como se o poema
Fosse colo
Braços fortes como o aço
Berço, terço
Cama, regaço
Onde o Eu
Em pedaços partidos
Cai
Perde os sentidos!


(Carmen Cupido)

sábado, 3 de abril de 2010

Apenas

                           
                                             (La Vita, Foto de NãoSouEuéaOutra) 

Sentado no meu colo de luz 

A criança de ouro, Apenas. 

Coroa de louro, Apenas. 

O Divino, Apenas. 

O Messias, Apenas. 

O menino, Apenas. 

Mede dois palmos, Apenas. 

Tem o peso dos salmos 

Que o contam; que o contêm

Apenas. E eu sou quem? 

Sou Mãe, 

De regaço pleno Apenas. 

(Carmen Cupido)

Subir ao Céu


(Foto de Marcio Farias (?) )

Uivante, o silêncio
Que tapa os gritos
Olhos aflitos
De lobo dorido
Que me sou, ferido

Vi-me tormento
Corcel alado, na garupa o vento
Correr veloz, vai nervoso
De alento fugoso
Subir ao céu
Rendido réu
Suplícios meus
Prosternar-se aos pés de Deus
Para saber de ti...

Viro costas ao inferno
Berro alto o lamento ácido terno
É Abril, é Abril
Idosa a lágrima, purpúrea a dor, rio senil

Chorei-te ausente
E o cravo não mente
E o silêncio dormente
Acordou suado
De voz coroado
Da menina em mim
A chamar por ti
Num queixume sem fim

Faço do meu corpo cunho
Carnal ferro punho
E bato à porta do omnipotente

Toc, toc, toc!

(Carmen Cupido)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Erva Musa Menina



Sou um pastor que conduz seu rebanho
Bem, confesso: Conduzir, conduzir
Não conduzo, ou seja, deixo-me ir
Porque só tenho palavras negras
Disfarçadas de ovelhas
Que não respeitam regras
E que vão soltas, cada uma ao seu ar
Pastar, nos cardeais pastos da escrita...

Às vezes, eu, simples pastor a guardar seu rebanho
Esqueço quem sou, no letargo sonho de quem aguarda
Que as ovelhas que guarda,
Encham a pança com abundância
E ergo-me, gigante, a furar o horizonte
Como se no breve sono não fosse pastor de poema pequeno
Antes fosse um Baobab na savana africana
Que nem sequer tem que levantar os ramos para tocar o sol

Mas logo acordo, em sobressalto
E salto, de lá de cima, cá para baixo
Não vá eu queimar as pontas da pluma, a sério
Mesmo que o sol que me encandeia seja astro,
Não real, miragem
Na planura da pastagem

Tenho, pois, que admitir
Ser na poesia um simples pastorinho
A guardar palavras negras
Disfarçadas de ovelhas
Que não respeitam regras
Quando mastigam letras

Não tenho a altivez do condor
Não tenho a luz da lucíola
Nem a sabedoria das abelhas
Nem o cansaço das formigas
Sou apenas cigarra a cantar
Canções de embalar
À erva Musa Menina

Para que cresça...

Lenta; Lentamente!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 24 de março de 2010

Vidente


(Cat’s eye Nebula photo from NASA)

Vidente

O meu vazio
Que se adivinha
Pleno
De ti…

Evidente

Sem ti
Meu ventre
É
Terreno
Baldio

E tu vadio

Mal
Desprendido
O fio
Corres
Solto

No espaço estelar do poema!

(Carmen Cupido)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Nas janelas do teu rosto


(Foto de Tiago Phelipe olhares.com)

Há dois buracos negros que me engolem
Por detrás das tuas pálpebras, nas janelas do teu rosto
Mas não se cansa quem te olha e corre por gosto
Mistério a dentro, até ao centro
Do “Tu” planeta...

Fecho meus olhos, equilibro meus medos
Deslizando vou, pelos teus segredos

Duas lágrimas, uma pitada de sol
E uma semente de rosa, que vai nua
É o que trago no bolso das oferendas;
Sei que sou pobre de folhos e rendas
Mas a passagem antes escura, abre-se airosa,
E o caminho continua

Não insisto, à força que me leva, não resisto

Deixo-me arrastar, e quando enfim chegar
Ao outro lado de ti; Hei-de lá plantar
Um jardim suspendido no alto do teu ventre

Com duas lágrimas, uma pitada de sol
E uma semente de rosa, que vai nua
E eu e tu, mão na mão, sentados sob a lua...

(Carmen Cupido)

quinta-feira, 18 de março de 2010

Amen


(Rezar, Fundo de ecrã de olivierelissalt)


Despiste-te de mim, aflito
Ausente maldito
E como um velho vestido, estorvo, empecilho
Assim caí eu, farrapo, a teus pés...

Vai-te! Não te aguento!
Vai, ó espavento, com o primeiro vento
E que o diabo te carregue

Odeio a nuvem demente
Que sempre vai a contrário senso
Da minha ânsia, que te roga presente
Em cada gota de chuva que rega, que cega os meus olhos
Odeio!

Vai! E se voltares
Olha-me, olha-me bem:
Uma incubadora de larvas é o que fizeste de mim
Que me devoram em vida, nem sequer fria, ainda quente
Enfartando, alegremente
A pança ao bicho solitário...

Larvas, sim...
Nojentas, depravadas
Falsas as Musas, negras as Fadas
A ferrar o dente no que sou, no que sinto
Até que meu pranto; Num mórbido canto
Expulsa o feto poema das entranhas das palavras...

E a caminho,
Põem seus ovos, constroem seus ninhos
Nos altos ramos do céu da minha boca
Hóstias de fel que sugo à força
É a clarividência das pedras e dos espinhos
Que me deixaste no lugar da tua presença
A meter seus dedos na minha garganta

Fundo, tão fundo...
Até que num doloroso espasmo
Meu ventre, meu corpo, meu todo em marasmo
Vomita, se desfaz, se esvazia
Em rios de purpúrea poesia

E ainda devo vergar e dizer-te:
Ámen?

(Carmen Cupido)

domingo, 14 de março de 2010

E por falar em decote...
Coisa Pequena


(Desconheço o autor mas apelo a quem conheça... porque cada autor
merece ver reconhecido o mérito do seu trabalho!
Foto encontrada aqui: http://fotos.sapo.pt/EQycmOYzbmAr5bZ1av96/)

Um rato, coisa pequena
Ligeiro como uma pena
Cava a montanha
Escava com garra
É muita a desgarra
Mas a obra é tamanha
Não desiste
Ofegante, insiste...
Com unhas em guerra
Lá vai perfurando a terra
Avançando de manso
Exausto, mas sem descanso
No cândido ardor
Do labirinto que traça, ai o gigante labor
Nem olha os cristais
Passa indiferente ao minério
Para quê riquezas tais?
Se procura um bem maior, o mistério
Do ventre da Montanha!

(Carmen Cupido)

terça-feira, 9 de março de 2010

Poesia decote em V


(Seio ou Vulcão Foto de Demetrio Barreto olhares.com)

Vacilam cambaleantes os pés de quem admira
E retém, na retina, a paisagem que mira...

É a vacuidade preenchida do olhar vagabundo
Que parte à ventura, procurar céus na varanda do mundo.

Vale fértil de sagrados onde vagueiam
Mãos invisíveis que tacteiam
Cavando na vaniloquência do majestoso
Uma vala de silêncio mais que verboso.

Veiga de amores onde a imaginação lavra lumes
Vela ao vento, em intimo mar, porque quer navegar
No veio, veia, filão de sensuais perfumes.

Vagidos fervem na vasilha da vida que é vergel
Para as bocas sedentas que se inebriam dele.

Viagem vértice vertigem ao absoluto feminino
Verso infinito, na pluma do poeta, hino
Poesia decote em V.

Ai Mulher! É de vulcão feito, o teu seio!

(Carmen Cupido)

domingo, 7 de março de 2010

O Sol lá fora


(No silêncio da escuridão, foto de Primo Tacca Neto)

Mea culpa
Se tranco o sol lá fora fechando a portada
Da janela da vida que passa; e minha alma encerrada
Louca late, pulsa, inflamada pupa.

Não sei porquê, mas sinto-me muda,
Que a minha boca se desnuda
Como árvore de outono em seu invernal sono
E que os sons são só folhas mortas
Húmus do silêncio a encerrar as portas
Da minha voz.

Não enxergo a luz,
Raio a raio, ela se esfuma
Neste buraco negro do que sou
Nada brilha, nada reluz
E eu aqui, coberta de um cendal de escura espuma,
Sem saber onde estou

Aquela estrela pálida que avisto
Do fundo deste castelo cavernal que habito...
Serei eu? Estarei no escuro
Sem saber que sou cadente astro
Meteoro de incandescente rastro
A atravessar o horizonte, cavaleiro ilustre, valente
Montado na sela de um caule órfão de flor
Mas com sonhos no ventre?

Quem me fez assim, feita de noite e de fel
E porquê se perdem em mim a canela e o mel?

Mil vezes desaparafuso, juro
Meu umbigo e o situo
Mais aquém, mais além
Para que a minha alma, engrandecida
Solte ao sol sua sílaba retida
Como se esta fosse rouxinol
A chilrear, o cantor
Cantando um hino de amor
À manhã macia e clara

Mas minha palavra, ora obscurecida, ora encandeada
Sente eternamente um toque gélido de serpente enrolada
A roçar-se provocantemente na pele do poema!

Porquê? Porquê?

(Carmen Cupido)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Simplicidade



Desprendem-se as palavras
Do peito da Poetisa
Com a mesma simplicidade
Com que cai a folha...

A folha...
Cor do ardor
Que estremeceu 
O coração das árvores
Quando o frio 
Da realidade se misturou
Ao calor dos sentimentos...

Soltou-se
No seu último 
Suspiro de vida
No ramo do poema...

Flutuou no espaço
Corpo de poesia
Meio acordada meio adormecida
Já com um pé no sonho que há-de vir...

E logo veio cair
Aos pés do outono
Adubando-lhe o ventre
Com húmus de primavera!

(Carmen Cupido)

terça-feira, 2 de março de 2010

Cidade


(A Cidade pintura a oléo de Miza Pintor)

No asfalto da cidade,
Rosas não há.
Ali, só crescem narcisos
Que de beiça colada ao espelho,
Admiram seus umbigos rosáceos.

Liames de gente
Com olhos maiores do que a barriga
Cortam, sem dó,
O pulso ao rumor das folhagens
Que late, rouco e verde,
E numa derradeira pulsação
Canta a sua última canção
De ninar aos pássaros nos ninhos.

Erguem-se paredes de ferro e betão
No lugar do amendoal, do olival
Dos tojos, das papoilas e do cevadal
E o ventre da terra violada
Infanta agora só torres verticais
Que levam na ponta punhais
Para rasgar a garganta ao céu.

Ali, rosas não há. Ai não, não há...
E se houvesse, suicidavam-se com o desgosto!
Nos jardins, só pedaços de carne sobre patas
Se entre comem, salivam sangue, jubilam com gosto
E ocupados no jogo do Predador que come o cordeiro
Nem vêem que o dia novo
Se asfixia no ovo
Com o muco ensanguentado
Que a terra tosse!

(Carmen Cupido)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Multidão


(Multidão de Pedro Charters de Azevedo)

Paro.

Desligo o autómato que trepou
Nos últimos grãos de vontade
Que ousaram germinar entre os rasgões
Da minha alma.

Penso.

Reanimo a Anima
O ser embrionário do Eu
Que se enfezou no ir com a corrente.

Elevo-me.

Mais alto do que a massa uniforme
Abandono o trilho da Maria vai com os outros
Respondo ao apelo urgente de não ser igual
Ser diferente.

Que se incendeie esta mata disforme
Onde corpos sonâmbulos, ocos, deambulam
E renascerei, de entre as cinzas e escombros

ÚNICO!

(Carmen Cupido)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Dama dos Cravos


(Liberdade Foto de Nessuno olhares.com)

Era o teu corpo, gigante ferida
Tua, mulher, nas mãos do horror, sofrida
Que ao fender a veia, ia pintar
Cor de sangue a gritar
Os cravos do teu terraço

E ai Deus!
Como eram belos e aprumados
Mulher, os teus cravos
Generosamente regados
Pelas águas que corriam nos dois valados
Fundos, cavados
Pela dor no teu rosto

E com tal beleza
No peitoril da tua casa
Tapavas com destreza
A fealdade dos dias
Em que a vilania assassinava a tua liberdade
E tu morrias,
Pouco a pouco a pouco

Nada parou a morte
De vir desprender, de um só corte
A corda que mantinha a tua asa presa
E tu partiste, minha dama dos cravos,
Voaste com leveza...

Foste com certeza
Fazer enrubescer o mesmíssimo céu!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A luz que eu lhes dou



Cala-se-me o sorriso,
Pouco a pouco, eu sei
Nos lábios dos meus olhos
Que trinco
Para que a boca não chore
Óvulos de lágrimas
Que descem os degraus
Que separam os ovários da poetisa
Do útero que ansia o embrião poema

Vergo,
Um dos meus joelhos já toca terra
Sob o peso que cada dia mais me enterra
Braçado de corpos e vidas que carrego aos ombros

Porque me senti derrear
Com tantos pedaços de outros que trago em cima de mim
Subtraí o meu próprio peso que se fez sombra
Porque sombras não pesam e só se vêem
Quando vem o sol...

Mas já que o sol não vem
(Deserdar os outros de mim não podia!)
Pensei descoser-me do que sou, rebentar-me pelas costuras
E das tripas do amor fazer cordeis de luz

Pendurei os cordeis, juro que nem um guardei
Ao longo da estrada dos que vivem por mim
A vida que eu não vivo; mas os loucos
Nem conta deram que me abandonei lá fora
Para caminhar com eles às costas,
Mas sem ninguém dentro de mim

Cala-se-me o sorriso
Pouco a pouco, eu sei
Nos lábios dos meus olhos...
Doi-me na carne esta dor
De carregar tantas bocas penduradas
Nos mamilos do que me sou
Sugando, sôfregos, toda a luz que eu lhes dou
E eu, deslizando já, sob o véu negro das trevas...

(Carmen Cupido)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Maria é



(Foto de Maria Flores olhares.com)

Maria é Grande.
Porque guarda dentro do que é,
Todos os tamanhos do ser que já foi.
E a memória do sangue que perdeu,
Das lágrimas que lambeu,
Também!

Maria é Mulher.
Mas quando a tempestade vem,
Faz-se homem forte, de pé
E nem no núcleo do furacão estremece, perde a fé
Porque sua Mãe, mulher também, lhe ensinou
A subir à garupa do vento para lhe puxar as rédeas!

Maria é Corpo.
É carne, sangue, sombra, pecado;
É matéria, escuro, ventre, sagrado
Deusa consagrada, Virgem Mãe imaculada
E prostituta também
Quando o sexo desabafa tempos feridos
Procurando esquecimento nos prazeres consumidos!

Maria é Pilar.
Mas seus muros são feitos de braços quentes
Do seu colo que é lar
Ela é laço de mil pontas que ninguém retém
Ponte para mais além
Mar de amar o amor que sabe de cor
Como silenciar a dor!

Maria é Árvore.
E atravessa as estações
Com as bocas dos filhos aferrados aos seus seios
Que são ramos carregados de fruta do amor, elixir de Mãe
E o seu regaço, tronco de aço, que sustém
O peso do mundo!

Maria é Essência.
Imprimida na alma, traz a ciência
De respirar as coisas simples
E quando se põe a olhar para a vida
É como se fosse Deus a espreitar lá do alto!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A lua chora


(Red Moon photo by mnoo)

Falar-te do que sinto
Perdeu o sentido
O silêncio derramou o fluido
Das palavras, seiva sangue escarlate
Punho que bate
À porta do teu ouvido
Quando o meu coração, sem norte
Vai à sorte; Perdido

Tu és
Um grito que vomito
Derradeira laje
Onde jaz
Minha última lágrima
Que em vão corre, porque a correr se morre
Nas mãos da evidência que o ventre não vê

Na orla do abismo
O coração já se me some
Sentado num eco
Que leva o teu nome
Para terras de ninguém
E as flores que em mim plantaste
Levantam a meia haste
Da semente infértil

E eu, assim desflorada
Tremo de nua
Tremo, vazia e calada
E quando o último sopro de ti se me apaga
Até a lua chora e me afaga!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Na Matriz da Palavra


(Foto de Guidu Jongleur d'images www.guidu.fr)

Na Matriz da Palavra
Renasci...

Antes,
Eu era apenas um alguém ninguém
Dente que ferra
Os lábios do sonho
Que nem sangrante, berra
Minha alma decaída
Vivia numa unha roída
Poeira varrida
Para debaixo dos confins estreitos
Do escuro
Onde o Eu é um feto que se enfeza
E mesmo assim reza
Face ao muro
Que o retém

Depois,
A palavra infantou
Um ninguém
No seu colo alguém
Que cavou frinchas no muro
Abateu o escuro
E da noite que o engoliu
Vislumbrou a luz
Quando esta explodiu
Plantando estrelas no céu da sua boca

Ora a boca,
Agora cheia, antes oca
Sugou quanto podia
Não fosse o néctar da melodia
Cair como o dia
Quando o sol se deita
Em cama alheia

E sabes?
O seu peito, antes mudo
É agora um púbis de veludo
A perder as águas dos segredos
Parto iminente dos ecos secretos
Da concha do Ser!

(Carmen Cupido)