quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Nostalgia



Debruçada sobre o dia

Caio na nostalgia

Na vontade de evasão

Que corre delirante

Ao encontro da recordação

Gritante


O sonho que desperto

De um além mais perto

Já antes o sonhei,

De tudo e todos os que deixei

Suspensos na saudade

Que me atiça sem piedade


Aqui, de pé, plantada

Sou como flor silvestre

Pelo vento, levada

Para terra alpestre

Sem me saber tremida

Sem me saber perdida


Tudo me leva ao lugar

Que me deu ao mundo

Um murmúrio no ar

Um batimento profundo

Um desejo que se esvai

No rio que vai

Para onde não sei

Sem deixar rastro do que chorei


É triste para quem se sente

Distante, diminuto, ausente

De tudo o que faz bater o coração

Porque não há suplica ou oração

Que traga de volta a vida que passa


E nem as mais belas montanhosas paisagens

E nem as cores que incendeiam as folhagens

Não há beleza; não há riqueza

Não há nada; nem ninguém

Não há rastilho que ateie o brilho

De uma alma deslustrada

Ao seu berço, por fado, arrancada.


(Carmen Cupido)


 

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

O Sossego do Cisne




Alma alada

Em vénia encurvada

Desliza graciosa

Melódico-silenciosa

Sobre a outonal flama

que a chama…



Ser quiescente

Prossegue indiferente

Ao vento de norte

Que no ar, vem cortar

A estival languidez

E a pairante calidez

Que se faz rocio a entorpecer

O verão moribundo…



Nos céus

O murmúrio das andorinhas

Sussurram um adeus

Ao lusco-fusco misterioso

E ao rasgar do alvor brumoso

Vertem-se luminescências mil

Sobre o leito anil

Onde sonha

E sossega

O cisne...



O cisne

Alma alada

Em vénia encurvada

Desliza graciosa

Melódico-silenciosa

Sobre a outonal flama

Que a chama…



(Carmen Cupido)


 

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Num Sopro de Criança


Num sopro

Assopra a criança

A esperança

Que o sol se retarde

Naquele fim de tarde

Em que no seu alarde

Se despede o verão

Altivamente montado

Na garupa de um dente-de-leão

 

À declinação ele ruma

E agora que chegou a outonal bruma

para embaciar a madrugada

Ele é apenas um fino filamento

Engolindo o ressentimento

De não mais ser flava flor

A iluminar com seu esplendor

A fulgente alvorada

 

Sobe ao colo do vento

Rumo ao convento

Das estações findadas

Vai num sopro de criança

Afincado à esperança

De poder regressar

Da vagarosa vereda

Movimento terrestre

Pelo reino celeste!


(Carmen Cupido)

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Senectute


Ciclo majestoso
Onde o mais ínfimo
Se transmuta em magnífico astro do dia
Acontecimento cardeal
Exaltação das coisas pequenas
Num tempo onde o tempo resvala por mim
E todos os caminhos convergem
Lenta, lentamente
Para o ponto da recordação
Onde eu sustento (ilusoriamente)
O meu esplendor de antão...

Eu sei que é ilusão
Porque é um corpo cansado
Este que agora me recolhe
E ao querer subtrair-me da matéria
Me vejo num interstício onde
Os pedaços de vida que fui entrançando
Vão cintilando como estrelas ao vento
E desvanecendo na goela voraz do esquecimento

A velhice é um aresto
Que, quando pronunciado
Desfolha ecos entre dedos
Rugas e outros medos
Penumbras que vão caindo
Como um manto de morte
Sobre a carne massacrada
E todos os pesos arcados
Pela alma arfante

Porém, se dócil for a dor
No declive que leva à eternidade
Não haverá, pois, temor
Mas tranquilidade
No plácido fenecimento
Se só o corpo murchoso cai no chão profundo
Mas seus rebentos florirão o mundo...

Eu sou a soma dos sonhos que sonhei
Sou todas as vezes que caí e levantei
Instantes de amor perdição
Algum desamor maldição
Os filhos que pari
As lágrimas que verti
Quando chorei ou ri
Sou os laços que teci
Pragas mil, mil orações
Agonias e até talvez ressureições
Sucessivas de almas antigas...

No epílogo da minha vida
Quando, então, chegar o instante
E que no breve flagrante
O mais além me aflore a pele
E o imperturbado Azrael
No olimpo me impele
Tombarei digna; tombarei agradecida
Tal folha da árvore desprendida
A viravoltar no ar
Rumo ao seu repouso final!

(Carmen Cupido)


 

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Saudade




Este pranto é tão somente meu

Ninguém d'outro o verteu

Nem outra alma teve a piedade

De lhe matar a saudade

Nem o desespero que sofreu

Nem nunca sentiu a ânsia

De viver e amar à distância

Tudo e todos os que ama

Nem o sentimento profundo

De estar só no mundo

Quando a tristeza o chama

E o coração grita um lamento

Que se perde no uivo do vento

Nem nunca exclamou a dor

À melancolia prenunciada

Pelo avassalador temor

De a ver, por mil, multiplicada!

(Carmen Cupido)

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Papoila Louca em Bailado Imprudente


Este é um amor em desamor
Tão presente na dor
De tanto querer quem mal me quer...

Amor quieto de sentimento profundo
A verter solidão no meu mundo

Clamor ferido que se agita
Grito estridente que ressuscita
Amor perfeito que nunca foi

Musa magoada cantando lamentos
Elevando aos céus o eco dos meus tormentos

Vazio encorpado de um alguém ausente
Mas sempre, sempre, premente
E eu, papoila louca em bailado imprudente

Fantasma que me fervilha nas veias
E quase com gozo, com toda a calma
Me assalta incessantemente a alma

Impiedoso, a sua fúria urgente
Queima, de tão incandescente

E eu, aferrada ao sonho, como outrora
Sigo nua, ingénua e acolhedora
Entre os raios ténues de cada aurora

E ele, que se importa? Se quando abre a porta
Me lança um desdém lancinante
Que amolado corta
O silêncio sufocante

Rugido sibilante de água dura
Que de tanto bater, fura
O meu coração ferido

E eu, a leda, a desamada, a sentir-me desacreditada
Quando enfim os seus olhos se pousam sobre mim, prolongados
Como se fossem lábios a beijar-me, entregados.

(Carmen Cupido)



 

terça-feira, 10 de maio de 2022

A Hora Suspendida



Nos meus dedos

Sonhos e segredos a fluir

E espátulas a esculpir

Sóis, luas e estrelas

No alto da minha tela

 

E a cada vez

Pressinto que o céu

Rasga o seu véu

Espargindo cores

Aclamando amores

E talvez ninando dores

No berço que eu lhes dou

 

Vejo mundos variados

Alçar-se de fundos esmaiados

E dentre os fios entretecidos

Do algodão cru imaculado

Seres inertes, inanimados

Correm fruir da vida

Na hora suspendida

Em que lhes sinto o coração

Pulsar na cova da minha mão

 

Tudo isto me vem não sei de onde

Nem sei em que lugar de mim se esconde

Eu não sou nada nem ninguém

Apenas o instrumento de passagem

Entre uma e a outra margem!

 

(Carmen Cupido)


 

domingo, 3 de abril de 2022

Naquela tarde de Primavera



Naquela tarde primavera,
O meu coração era
Uma tormenta viva e turva

Um ulo pavoroso
Carregado de trevas
Prestes a implodir

A minha boca calada
Engolia a palavra desolada
Garganta abaixo

Lá fora, a primavera floria
Indiferente à minha agonia

Cá dentro, o céu era alvacento
E o meu sonho enegrecia

Todos os meus sentidos
Esporeavam num tumulto medonho

O meu mundo desfalecia
E no meu ventre irrompia
Uma dor lancinante que desconhecia

Ela, a que eu tanto, tanto amava
Ao mais além rumava,
Naquela tarde de primavera

A sua alma era um corcel indomável
Ansiando romper as rédeas
Que furiosamente o retinham

Ela, a que me deu a vida, se morria
Levando a primavera como rosa ao peito

A Terra chuva gélida chorava
E eu, aterrada, chorava também
Porque ela ia e eu ficava; porque ela ia e eu ficava!

(Carmen Cupido)


 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Fulgor



Está na hora
Que o floco de neve
Se faça flor
Desperte o fulgor
Elevando seu caule
Ao alto esplendor
Do sol de Primavera
Que vibrem com clamor
Os versos de amor
A vida e todos os verdes
Nas suas luminescências variadas
Que venham as papoilas soltar
Os prados do seu gélido pranto
E que o excelso canto
Dos pássaros regressados
Entoem nos céus
Onde, antes, só soavam
Os clarins desacordados
Dos dias sórdido-desalumiados
Do velho agre
Ogro averno
Inverno!

(Carmen Cupido)

 

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Rosa Machucada


Obrigada, Amor

Por seres para mim

Esta pura eutimia

Um opus de Chopin

Na sua mais bela

lânguida melodia

Alma Maior

Feita de

Honrosa dignidade

A verter sobre mim

Sua paciente, magnificente 

Abnegada bondade

Em forma de rocio dulçor

Guardião lacrimal

A fazer abstração 

Do peso da dor

E me envolve

No minuto hibernal

Onde a rosa machucada

No meu peito, prostrada

Teme tanto aflorar

À face da primavera

Que há tanto,

Tanto tempo

Me espera!

 

(Carmen Cupido)


 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Amor Maior

 


E, hoje,
Subitamente,
Surge o teu rosto
Dentre uma nébula antiga
De feridas escondidas

De par em par
Se abre a saudade
E, num bater de penas,
Os teus olhos risonhos
Vêm pousar sobre mim
Com a levez airosa
Do amor maior 
Que se tem

Mãe, 
Tal como na infância,
Vejo o sol a brincar
Com a tua pele trigueira
E a fazer cintilar
Teus brincos de cereja

No ar,
Sinto o frescor 
Dos teus cravos
A querer enganar 
Meus sentidos

E, subitamente,
Bate aquela vontade
De voltar 
Ao ninho, ao lar
 Que eu te aperte
E que me apertes, 
Só mais uma vez
No teu regaço
E na impossibilidade
De tal abraço
Uma lágrima sentida
Rola ferida 
Pela minha alma 
Abaixo...

(Carmen Cupido)



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Ode para almas cansadas


Com uma luz ténue
Se me declina o ser
Morosamente
Apagando-me vou
Caindo numa dor
Que nem sei de onde vem
Preciso de algo, de alguém
E, ao mesmo de tempo, 
De nada e de ninguém...

Mil tormentos
Rodam sobre mim
São como ventos a ganir
Num ulo doentio
E nada nem ninguém
Lhe corta o pio...

Gira no ar
Uma aragem 
álgido-transluzente
E a minha alma cansada
Vê-se rosa orvalhada
Em noites 
Onde a geada 
Enregela a terra 
Que me quer derrubada...

Porém,
Dentre as neblinas do inverno
Entreouço ainda o astro sempiterno
A quebrar o gelo doloroso
Com seu chamamento caloroso...

Pela mão
Me vem buscar
Grávido da esperança
Que me quer sarar
E eu, por fim
Serena como o mar
Num fim de tarde
Onde o sol 
O vem beijar!

(Carmen Cupido)

 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Auto-Portrait


Nas minhas mãos 
A essência fresca das cores corre...
Levar aos meus olhos mundos quiméricos
Com sóis de fins de tarde fantasiosa
A pousar sobre mim 
Com seu toque de asa esplendorosa

O tempo pára 
E o instante é um mistério desvendado
A dar vida a universos insuspeitos
Onde não há futuro nem passado,
Só um agora de comprazimento
A reclamar o mínimo milímetro
De todo o seu comprimento


Palavras não há, só o silêncio
Distraído demais para se sentir só...

Nas minhas mãos
A essência das cores corre...
Vai apressada, lá vai ela
Pintar céus policromáticos
No alto da minha tela!

(Carmen Cupido)

 

domingo, 23 de janeiro de 2022

Poesia triste, tristemente declamada...

 


Alentam-me os teus olhos,

Como dois sóis, eu sei

No alto do céu da minha alma,

Quando pousam sobre mim

Com a doçura e a calma

Do rouxinol que apruma

Seu pipilo e suas plumas

Encantando-me com o seu canto

Que me chama à primavera

Que me chama à liberdade

Quando me vê trancada

No fundo da gaiola

Por Motu Próprio

Enjaulada

A orquestrar poesia triste

Tristemente declamada…

 

Mas como desprender

Tão ressequidas asas

E ao alto aspirar

Refrear o medo, dominar o ar

Descolar...

Das profundezas escabrosas

Do longo inverno; do longo inferno

Que me detém; que me retém?

 

(Carmen Cupido)


quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Opus

 


Em cada poema meu, Amor
Te faço o fruto maduro
Do meu longo e sofrido conjuro
Talvez oração, talvez ilusão
Caída da minha boca tremente
Na hora em que a garganta consente
Que, por um segundo que seja
A palavra portentosa
(Tal num opus de um violino a uma rosa)
Entoe tudo o que não pode ser dito
Arrancado a ferros ao silêncio infinito
Infinitamente maldito
    Que nos separa...

E eu, poetisa pobre e tão despida
Pela dor de tanto desamor carpida
Desfolho no verso que te declama
O quanto a minha alma te quer e te ama...

E se tu, do alto do torpor em que te encerraste
Tal bandeira em alta haste
Despiedadamente alheio ao chão
Não vês que o meu coração
Se tolhe e se agrisalha
Então, Amor, não há poesia que valha!

(Carmen Cupido)