quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Senectute


Ciclo majestoso
Onde o mais ínfimo
Se transmuta em magnífico astro do dia
Acontecimento cardeal
Exaltação das coisas pequenas
Num tempo onde o tempo resvala por mim
E todos os caminhos convergem
Lenta, lentamente
Para o ponto da recordação
Onde eu sustento (ilusoriamente)
O meu esplendor de antão...

Eu sei que é ilusão
Porque é um corpo cansado
Este que agora me recolhe
E ao querer subtrair-me da matéria
Me vejo num interstício onde
Os pedaços de vida que fui entrançando
Vão cintilando como estrelas ao vento
E desvanecendo na goela voraz do esquecimento

A velhice é um aresto
Que, quando pronunciado
Desfolha ecos entre dedos
Rugas e outros medos
Penumbras que vão caindo
Como um manto de morte
Sobre a carne massacrada
E todos os pesos arcados
Pela alma arfante

Porém, se dócil for a dor
No declive que leva à eternidade
Não haverá, pois, temor
Mas tranquilidade
No plácido fenecimento
Se só o corpo murchoso cai no chão profundo
Mas seus rebentos florirão o mundo...

Eu sou a soma dos sonhos que sonhei
Sou todas as vezes que caí e levantei
Instantes de amor perdição
Algum desamor maldição
Os filhos que pari
As lágrimas que verti
Quando chorei ou ri
Sou os laços que teci
Pragas mil, mil orações
Agonias e até talvez ressureições
Sucessivas de almas antigas...

No epílogo da minha vida
Quando, então, chegar o instante
E que no breve flagrante
O mais além me aflore a pele
E o imperturbado Azrael
No olimpo me impele
Tombarei digna; tombarei agradecida
Tal folha da árvore desprendida
A viravoltar no ar
Rumo ao seu repouso final!

(Carmen Cupido)


 

Sem comentários:

Enviar um comentário