segunda-feira, 19 de setembro de 2022

O Sossego do Cisne




Alma alada

Em vénia encurvada

Desliza graciosa

Melódico-silenciosa

Sobre a outonal flama

que a chama…



Ser quiescente

Prossegue indiferente

Ao vento de norte

Que no ar, vem cortar

A estival languidez

E a pairante calidez

Que se faz rocio a entorpecer

O verão moribundo…



Nos céus

O murmúrio das andorinhas

Sussurram um adeus

Ao lusco-fusco misterioso

E ao rasgar do alvor brumoso

Vertem-se luminescências mil

Sobre o leito anil

Onde sonha

E sossega

O cisne...



O cisne

Alma alada

Em vénia encurvada

Desliza graciosa

Melódico-silenciosa

Sobre a outonal flama

Que a chama…



(Carmen Cupido)


 

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Num Sopro de Criança


Num sopro

Assopra a criança

A esperança

Que o sol se retarde

Naquele fim de tarde

Em que no seu alarde

Se despede o verão

Altivamente montado

Na garupa de um dente-de-leão

 

À declinação ele ruma

E agora que chegou a outonal bruma

para embaciar a madrugada

Ele é apenas um fino filamento

Engolindo o ressentimento

De não mais ser flava flor

A iluminar com seu esplendor

A fulgente alvorada

 

Sobe ao colo do vento

Rumo ao convento

Das estações findadas

Vai num sopro de criança

Afincado à esperança

De poder regressar

Da vagarosa vereda

Movimento terrestre

Pelo reino celeste!


(Carmen Cupido)

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Senectute


Ciclo majestoso
Onde o mais ínfimo
Se transmuta em magnífico astro do dia
Acontecimento cardeal
Exaltação das coisas pequenas
Num tempo onde o tempo resvala por mim
E todos os caminhos convergem
Lenta, lentamente
Para o ponto da recordação
Onde eu sustento (ilusoriamente)
O meu esplendor de antão...

Eu sei que é ilusão
Porque é um corpo cansado
Este que agora me recolhe
E ao querer subtrair-me da matéria
Me vejo num interstício onde
Os pedaços de vida que fui entrançando
Vão cintilando como estrelas ao vento
E desvanecendo na goela voraz do esquecimento

A velhice é um aresto
Que, quando pronunciado
Desfolha ecos entre dedos
Rugas e outros medos
Penumbras que vão caindo
Como um manto de morte
Sobre a carne massacrada
E todos os pesos arcados
Pela alma arfante

Porém, se dócil for a dor
No declive que leva à eternidade
Não haverá, pois, temor
Mas tranquilidade
No plácido fenecimento
Se só o corpo murchoso cai no chão profundo
Mas seus rebentos florirão o mundo...

Eu sou a soma dos sonhos que sonhei
Sou todas as vezes que caí e levantei
Instantes de amor perdição
Algum desamor maldição
Os filhos que pari
As lágrimas que verti
Quando chorei ou ri
Sou os laços que teci
Pragas mil, mil orações
Agonias e até talvez ressureições
Sucessivas de almas antigas...

No epílogo da minha vida
Quando, então, chegar o instante
E que no breve flagrante
O mais além me aflore a pele
E o imperturbado Azrael
No olimpo me impele
Tombarei digna; tombarei agradecida
Tal folha da árvore desprendida
A viravoltar no ar
Rumo ao seu repouso final!

(Carmen Cupido)