terça-feira, 26 de setembro de 2023

Madrigal Inflamado


Madrigal inflamado

De tulipas que flamejam

Em seu santuário matizado

Vejo-as ondular ao vento

E cada movimento

É uma pausa semibreve

Do meu sopro leve

Suspiro suspenso

Que engulo para dentro…

 

É tal a embriaguez de cores

A salpicar o vale e a fazer dele

Um palco enrubescido

Onde a brisa e as flores

Num impulso incendido

Arfantes se enlaçam

e o Uno que formam se lança

Num fascinante, quase provocante

Pé de dança

Ao som do espanto

Que o puro encanto

Semeia nos meus olhos!

 

(Carmen Cupido)


 

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Um Abraço de Anjo


Rogo…

 

Por um abraço de luz, bênção

Laço doce de algodão

Que me sossegue o peito

 Como um colo de mãe aveludado onde me deito

Quando a escuridão

Me assalta o coração…

 

Rogo…

 

Por um abraço apertado

Repouso para guerreiro cansado

Num pedaço de tempo

Onde o mundo a contratempo

Multiplica o peso

Que me retém preso

 

Rogo…

 

Por um abraço possante, encantação

Que me arranque à assombração

Dos dias em que a minha alma

Não encontra nem a força nem a calma

De se extirpar à desesperança

Quando me falta a fé e o vazio me cansa

 

 Rogo…

 

Por um abraço de anjo

Um qualquer arcanjo

Que, por um momento que seja, me dê guarida

Me dê o descanso que me alenta à vida

Que me deixe a cabeça no seu ombro encostar

E guarde silêncio quando me ouvir chorar!

 

(Carmen Cupido)


 

segunda-feira, 20 de março de 2023

À Janela...

À janela…


Há rosas amarelas

No peitoril, estrelas

A sugar o sol…

 

Quão artifício flavescente

Emoção crescente

A estalar na retina…

 

Até a mínima rosa

hasteia, estrondosa

Seu fulgor fulvo

 

Vão de braços ao alto

Em áureo sobressalto

A esticar o caule…

 

E não há espinho que valha

Ou nuvem grisalha

Que desalente o ardor

 

Há no ar um espanto

Tal é o encanto

Que me pulsa no peito…

 

Sinto tamanho aperto

Que a minha alma em desconcerto

Engole o suspiro para dentro!

 

(Carmen Cupido)



 

segunda-feira, 13 de março de 2023

Graça Divina


Graça Divina
Excelsa sonatina
Violácea radiância
A implodir de fragância
Imenso Mar púrpura
A verter candura
Minha alma a dentro...

Nos campos, ela ciranda
A espiga da lavanda
Em cativante movimento
Ao sabor do vento
Pujante encantação
Que me alaga o coração
Meus olhos a dentro...

De mim, não sai pio
Tal é o arrepio
Que trava
A escusada palavra
Quando a emoção se agiganta
No fundo da garganta
E a voz resvala
Minha boca a dentro...

Ó Graça Divina; ó excelsa sonatina!

(Carmen Cupido)
 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

D'entre a bruma



D'entre a bruma
Ressurges indene
De saudade beijado

Ouvi-te chegar
No grito inflamado
Das gaivotas alvoraçadas

E vim, apressada
De sentimento esmaecido
Enclausurado no tempo

Gélida e dorida
Sou uma alma sombria
À espera do nascer do dia

Tanto, tanto te escrutei
Com o meu olhar perdido
À procura de abrigo

E vi-te chegar, enfim
Nave a navegar no mar
Das minhas lágrimas salgadas!

(Carmen Cupido)

 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Euritmia

 


Porque lá fora,

O ciclo da vida

É um intérmino mistério

Onde nada é perene

Nesta história de um mundo

Que gira obstinadamente

Eis-nos, vitoriosamente

Às portas de uma nova primavera

Por onde vagueia e se exaspera

O inóspito inverno que com sono

Se adormenta, enfim, sobre o húmus do outono

 

Na atónita invernia

Há uma neblina dissolvida

Onde as gotas rociadas

São, afinal, fadas disfarçadas

A espargir magia

A derramar vida

E, ó espanto; ó encanto!

Logo, logo

Campânulas apressadas

Se elevam do solo rasgado

Rumando ao alto, de caule esticado

E eu, de olho encharcado

Coração em arritmia

Respiração acurtada

Alio-me, extasiada

A esta deleitosa euritmia!

 

(Carmen Cupido)


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Nostalgia



Debruçada sobre o dia

Caio na nostalgia

Na vontade de evasão

Que corre delirante

Ao encontro da recordação

Gritante


O sonho que desperto

De um além mais perto

Já antes o sonhei,

De tudo e todos os que deixei

Suspensos na saudade

Que me atiça sem piedade


Aqui, de pé, plantada

Sou como flor silvestre

Pelo vento, levada

Para terra alpestre

Sem me saber tremida

Sem me saber perdida


Tudo me leva ao lugar

Que me deu ao mundo

Um murmúrio no ar

Um batimento profundo

Um desejo que se esvai

No rio que vai

Para onde não sei

Sem deixar rastro do que chorei


É triste para quem se sente

Distante, diminuto, ausente

De tudo o que faz bater o coração

Porque não há suplica ou oração

Que traga de volta a vida que passa


E nem as mais belas montanhosas paisagens

E nem as cores que incendeiam as folhagens

Não há beleza; não há riqueza

Não há nada; nem ninguém

Não há rastilho que ateie o brilho

De uma alma deslustrada

Ao seu berço, por fado, arrancada.


(Carmen Cupido)


 

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

O Sossego do Cisne




Alma alada

Em vénia encurvada

Desliza graciosa

Melódico-silenciosa

Sobre a outonal flama

que a chama…



Ser quiescente

Prossegue indiferente

Ao vento de norte

Que no ar, vem cortar

A estival languidez

E a pairante calidez

Que se faz rocio a entorpecer

O verão moribundo…



Nos céus

O murmúrio das andorinhas

Sussurram um adeus

Ao lusco-fusco misterioso

E ao rasgar do alvor brumoso

Vertem-se luminescências mil

Sobre o leito anil

Onde sonha

E sossega

O cisne...



O cisne

Alma alada

Em vénia encurvada

Desliza graciosa

Melódico-silenciosa

Sobre a outonal flama

Que a chama…



(Carmen Cupido)


 

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Num Sopro de Criança


Num sopro

Assopra a criança

A esperança

Que o sol se retarde

Naquele fim de tarde

Em que no seu alarde

Se despede o verão

Altivamente montado

Na garupa de um dente-de-leão

 

À declinação ele ruma

E agora que chegou a outonal bruma

para embaciar a madrugada

Ele é apenas um fino filamento

Engolindo o ressentimento

De não mais ser flava flor

A iluminar com seu esplendor

A fulgente alvorada

 

Sobe ao colo do vento

Rumo ao convento

Das estações findadas

Vai num sopro de criança

Afincado à esperança

De poder regressar

Da vagarosa vereda

Movimento terrestre

Pelo reino celeste!


(Carmen Cupido)

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Senectute


Ciclo majestoso
Onde o mais ínfimo
Se transmuta em magnífico astro do dia
Acontecimento cardeal
Exaltação das coisas pequenas
Num tempo onde o tempo resvala por mim
E todos os caminhos convergem
Lenta, lentamente
Para o ponto da recordação
Onde eu sustento (ilusoriamente)
O meu esplendor de antão...

Eu sei que é ilusão
Porque é um corpo cansado
Este que agora me recolhe
E ao querer subtrair-me da matéria
Me vejo num interstício onde
Os pedaços de vida que fui entrançando
Vão cintilando como estrelas ao vento
E desvanecendo na goela voraz do esquecimento

A velhice é um aresto
Que, quando pronunciado
Desfolha ecos entre dedos
Rugas e outros medos
Penumbras que vão caindo
Como um manto de morte
Sobre a carne massacrada
E todos os pesos arcados
Pela alma arfante

Porém, se dócil for a dor
No declive que leva à eternidade
Não haverá, pois, temor
Mas tranquilidade
No plácido fenecimento
Se só o corpo murchoso cai no chão profundo
Mas seus rebentos florirão o mundo...

Eu sou a soma dos sonhos que sonhei
Sou todas as vezes que caí e levantei
Instantes de amor perdição
Algum desamor maldição
Os filhos que pari
As lágrimas que verti
Quando chorei ou ri
Sou os laços que teci
Pragas mil, mil orações
Agonias e até talvez ressureições
Sucessivas de almas antigas...

No epílogo da minha vida
Quando, então, chegar o instante
E que no breve flagrante
O mais além me aflore a pele
E o imperturbado Azrael
No olimpo me impele
Tombarei digna; tombarei agradecida
Tal folha da árvore desprendida
A viravoltar no ar
Rumo ao seu repouso final!

(Carmen Cupido)


 

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Saudade




Este pranto é tão somente meu

Ninguém d'outro o verteu

Nem outra alma teve a piedade

De lhe matar a saudade

Nem o desespero que sofreu

Nem nunca sentiu a ânsia

De viver e amar à distância

Tudo e todos os que ama

Nem o sentimento profundo

De estar só no mundo

Quando a tristeza o chama

E o coração grita um lamento

Que se perde no uivo do vento

Nem nunca exclamou a dor

À melancolia prenunciada

Pelo avassalador temor

De a ver, por mil, multiplicada!

(Carmen Cupido)

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Papoila Louca em Bailado Imprudente


Este é um amor em desamor
Tão presente na dor
De tanto querer quem mal me quer...

Amor quieto de sentimento profundo
A verter solidão no meu mundo

Clamor ferido que se agita
Grito estridente que ressuscita
Amor perfeito que nunca foi

Musa magoada cantando lamentos
Elevando aos céus o eco dos meus tormentos

Vazio encorpado de um alguém ausente
Mas sempre, sempre, premente
E eu, papoila louca em bailado imprudente

Fantasma que me fervilha nas veias
E quase com gozo, com toda a calma
Me assalta incessantemente a alma

Impiedoso, a sua fúria urgente
Queima, de tão incandescente

E eu, aferrada ao sonho, como outrora
Sigo nua, ingénua e acolhedora
Entre os raios ténues de cada aurora

E ele, que se importa? Se quando abre a porta
Me lança um desdém lancinante
Que amolado corta
O silêncio sufocante

Rugido sibilante de água dura
Que de tanto bater, fura
O meu coração ferido

E eu, a leda, a desamada, a sentir-me desacreditada
Quando enfim os seus olhos se pousam sobre mim, prolongados
Como se fossem lábios a beijar-me, entregados.

(Carmen Cupido)



 

terça-feira, 10 de maio de 2022

A Hora Suspendida



Nos meus dedos

Sonhos e segredos a fluir

E espátulas a esculpir

Sóis, luas e estrelas

No alto da minha tela

 

E a cada vez

Pressinto que o céu

Rasga o seu véu

Espargindo cores

Aclamando amores

E talvez ninando dores

No berço que eu lhes dou

 

Vejo mundos variados

Alçar-se de fundos esmaiados

E dentre os fios entretecidos

Do algodão cru imaculado

Seres inertes, inanimados

Correm fruir da vida

Na hora suspendida

Em que lhes sinto o coração

Pulsar na cova da minha mão

 

Tudo isto me vem não sei de onde

Nem sei em que lugar de mim se esconde

Eu não sou nada nem ninguém

Apenas o instrumento de passagem

Entre uma e a outra margem!

 

(Carmen Cupido)


 

domingo, 3 de abril de 2022

Naquela tarde de Primavera



Naquela tarde primavera,
O meu coração era
Uma tormenta viva e turva

Um ulo pavoroso
Carregado de trevas
Prestes a implodir

A minha boca calada
Engolia a palavra desolada
Garganta abaixo

Lá fora, a primavera floria
Indiferente à minha agonia

Cá dentro, o céu era alvacento
E o meu sonho enegrecia

Todos os meus sentidos
Esporeavam num tumulto medonho

O meu mundo desfalecia
E no meu ventre irrompia
Uma dor lancinante que desconhecia

Ela, a que eu tanto, tanto amava
Ao mais além rumava,
Naquela tarde de primavera

A sua alma era um corcel indomável
Ansiando romper as rédeas
Que furiosamente o retinham

Ela, a que me deu a vida, se morria
Levando a primavera como rosa ao peito

A Terra chuva gélida chorava
E eu, aterrada, chorava também
Porque ela ia e eu ficava; porque ela ia e eu ficava!

(Carmen Cupido)


 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Fulgor



Está na hora
Que o floco de neve
Se faça flor
Desperte o fulgor
Elevando seu caule
Ao alto esplendor
Do sol de Primavera
Que vibrem com clamor
Os versos de amor
A vida e todos os verdes
Nas suas luminescências variadas
Que venham as papoilas soltar
Os prados do seu gélido pranto
E que o excelso canto
Dos pássaros regressados
Entoem nos céus
Onde, antes, só soavam
Os clarins desacordados
Dos dias sórdido-desalumiados
Do velho agre
Ogro averno
Inverno!

(Carmen Cupido)

 

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Rosa Machucada


Obrigada, Amor

Por seres para mim

Esta pura eutimia

Um opus de Chopin

Na sua mais bela

lânguida melodia

Alma Maior

Feita de

Honrosa dignidade

A verter sobre mim

Sua paciente, magnificente 

Abnegada bondade

Em forma de rocio dulçor

Guardião lacrimal

A fazer abstração 

Do peso da dor

E me envolve

No minuto hibernal

Onde a rosa machucada

No meu peito, prostrada

Teme tanto aflorar

À face da primavera

Que há tanto,

Tanto tempo

Me espera!

 

(Carmen Cupido)