terça-feira, 20 de julho de 2010

O diabo à espreita


(A Medusa e o Diabo à espreita, foto de Torres Martins olhares.com)

Estás à minha espreita, ó cão ávido
É na esquina que me esperas, frio, impávido
Queres na minha carne fincar um dente
Salivas já o sabor do meu sangue quente?

Ai seu diabo, mil vezes maldito...
Queres ver-me cair, para depois rir
Do meu desajeito, do meu olhar aflito?

Toma todos os cuidados
Ao sair do teu buraco
Não vá eu fazer caco
Dos teus cornos delicados!

Vê lá com quem te metes, ó seu grande cão
Se eu eu fosse tu, ó seu cornudo de um raio
Não teria certeza que sou mesmo eu que caio
Fanfarrona, fanfarrona enquanto podes, ó seu fanfarrão

Quem sabe se não sou eu que te empurro
E se não vais, juro que puxo à força o burro
Um rasto de pólvora no teu cu que empesta
A queimar no inferno, olha só a festa!

(Carmen Cupido)

Poema dedicado ao meu amigo e grande poeta João de Sousa Teixeira
( João: as poetisas sensíveis também têm humor! )

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ao voltar da esquina


(Foto de ?)

Jamais vergar sob o peso das palavras
Ditas ou não ditas, deixar-se de fitas
Calou-se o canto ao amor?
E agora? Aclama-se a dor?
Parem os lamentos, por favor!

Toca a levantar, ficar de pé ainda que oca
Nestes ingratos momentos da vida
Em que só os escombros têm boca
Há que reter o sangue no seio da ferida
Com mãos, com panos, com punhos, com tudo
Acordar a alma, desarmar o escudo

Digna, nobre, erecta.
Fazer das tripas coração
Abrir os olhos, deitar fora a inútil oração
Colar os sapatos à linha recta
Que te leva, sem mesmo saber para onde
Não perguntes, o caminho nada esconde

Dentro do caminho só mais caminho
Nunca ouviste dizer que caminhar é viver
Não temas, quebra as algemas,
Empurra o ovo do conformismo do ninho
Que te prende, que te enjaula o ser

Vai, voa,
Segue a tua sina
Ao voltar da esquina
Já a voz do mundo ecoa
A chamar por ti!

(Carmen Cupido)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Caramelo



A palavra persiste e lavra
Traça a linha, é fundo o traço
Que cava, ninguém a trava
Entre a ponta e o ponto
Lá vai ela, desaperta o laço
Antes de arrombar a porta de aço
Onde escondo a minha alma
Água mole em pedra dura
Tanto bate até que fura...
Fura a eito, fura o peito
Pára, que dói!
Ai a palavra que mói
Por dentro quando não a enfrento
Cedo; Assusto o medo
E conto dedo a dedo
As vezes em que perco o ponto
Quando, tonto
Meu coração livre e destravado
Sobe, sobe, do ventre à poesia
Fala de ti, de ti fala e ninguém o cala
É uma língua que se desenrola
Que pica, atiça, belisca
Tanto, tanto, a boca tola
Que, inteiro, tu és isca
Caramelo que se me cola
Ao céu do meu poema...

Ai, Amor! Se não fosses tão doce!

(Carmen Cupido)