quinta-feira, 30 de julho de 2020

Ao toque da Primavera


É hoje, enfim
Que a alva irrompe
Com o seu canto de galo
Dos dias grisalhos
Que desfalecem na matriz infecunda
Do velho inverno que tombou
E a sua gelidez se estilhaçou
Em mil cores que se verteram
E a correr, divinas, foram
Acordar as papoilas,
O alecrim, as malvas
E todos os outros
Seres silvestres
Nos campos dormentes

Ao toque da Primavera
As pálpebras do mundo
Levantam-se de repente
Para o dia surgente
Que as espera
E o seu novo corpo ciliar
Ornado de esmeraldas
Faz sombra à pupila
Que de tanta beleza e luz se contrai
E a iris, enciumada e receosa
Afana-lhe a cor
À joia preciosa

O sol desponta
Agora possante
E de um só raio rasga as nuvens
Que o retinham
Num limbo borralhento
Ora, logo as safiras
Que trazia no bolso se soltaram
E foram salpicar o céu
Que espanou as cinzas
Ao seu vestido cor de infinito
E o solar espaço que ficou
Foi tomado de assalto
Por anjos, pássaros e borboletas
A inebriar-se em alto voo
Do mel de viver
E a vida a obrar; e a vida a zoar
Na própria colmeia

Vai, Inverno, vai
Vai-te embora
Que o tempo passa e nada se demora
Fecha os olhos só o instante
De dar descanso à tua velha carcaça
Silêncio, nem mais um rumor
Não roubes o tempo
De canto ao rouxinol
Nem o bocejo às flores
Que se espreguiçam 
Na lentidão de se fazer fruto
No alto das cerejeiras
E nem a mim o malmequer
Urge-me desfiar-lhe as pétalas
Para ver se o meu amado bem me quer
Ou bem me quer ou bem me quer

Vai, inverno, vai
Vai-te embora
Porque o tempo passa e nada se demora
Que não se te conceda nem mais um segundo
Pois, lá ao longe, lá ao fundo
Já o Verão se pousa
Nos seus fios dourados!

(Carmen Cupido)

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