terça-feira, 2 de março de 2010

Cidade


(A Cidade pintura a oléo de Miza Pintor)

No asfalto da cidade,
Rosas não há.
Ali, só crescem narcisos
Que de beiça colada ao espelho,
Admiram seus umbigos rosáceos.

Liames de gente
Com olhos maiores do que a barriga
Cortam, sem dó,
O pulso ao rumor das folhagens
Que late, rouco e verde,
E numa derradeira pulsação
Canta a sua última canção
De ninar aos pássaros nos ninhos.

Erguem-se paredes de ferro e betão
No lugar do amendoal, do olival
Dos tojos, das papoilas e do cevadal
E o ventre da terra violada
Infanta agora só torres verticais
Que levam na ponta punhais
Para rasgar a garganta ao céu.

Ali, rosas não há. Ai não, não há...
E se houvesse, suicidavam-se com o desgosto!
Nos jardins, só pedaços de carne sobre patas
Se entre comem, salivam sangue, jubilam com gosto
E ocupados no jogo do Predador que come o cordeiro
Nem vêem que o dia novo
Se asfixia no ovo
Com o muco ensanguentado
Que a terra tosse!

(Carmen Cupido)

3 comentários:

  1. ...Ali, só crescem narcisos
    Que de beiça colada ao espelho,
    Admiram seus umbigos rosáceos...

    Que força têm as palavras lidas, na beleza da sua escrita!
    Bonito poema!

    Bjs dos Alpes...

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  2. Isto é derrame.Esta cidade surda. Sangue onde o ferro faz ferrugem. A Cidade é uma Pedra sem vida. Ninguém ''fotossíntesia'' ali... é a verdade, mas ninguém resiste...

    O poema cresce a cada dia... e fico a olhar, nem sei bem para onde... eu é que fico paralisada aqui... risos.

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  3. Teu poema me transportou a outro: A Flor e Náusea de Drummond. "Uma flor nasceu na rua". Diálogos poéticos me fascinam. Abraço.

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