segunda-feira, 29 de março de 2010

Erva Musa Menina



Sou um pastor que conduz seu rebanho
Bem, confesso: Conduzir, conduzir
Não conduzo, ou seja, deixo-me ir
Porque só tenho palavras negras
Disfarçadas de ovelhas
Que não respeitam regras
E que vão soltas, cada uma ao seu ar
Pastar, nos cardeais pastos da escrita...

Às vezes, eu, simples pastor a guardar seu rebanho
Esqueço quem sou, no letargo sonho de quem aguarda
Que as ovelhas que guarda,
Encham a pança com abundância
E ergo-me, gigante, a furar o horizonte
Como se no breve sono não fosse pastor de poema pequeno
Antes fosse um Baobab na savana africana
Que nem sequer tem que levantar os ramos para tocar o sol

Mas logo acordo, em sobressalto
E salto, de lá de cima, cá para baixo
Não vá eu queimar as pontas da pluma, a sério
Mesmo que o sol que me encandeia seja astro,
Não real, miragem
Na planura da pastagem

Tenho, pois, que admitir
Ser na poesia um simples pastorinho
A guardar palavras negras
Disfarçadas de ovelhas
Que não respeitam regras
Quando mastigam letras

Não tenho a altivez do condor
Não tenho a luz da lucíola
Nem a sabedoria das abelhas
Nem o cansaço das formigas
Sou apenas cigarra a cantar
Canções de embalar
À erva Musa Menina

Para que cresça...

Lenta; Lentamente!

(Carmen Cupido)

5 comentários:

  1. Minha querida amiga
    maravilhoso poema, gostei muito.

    Beijinhos
    Sonhadora

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  2. meu deus... isto chama-se um poema de tirar o juízo... quando grande for, quero ser como você... uma lavradora de palavras!! faço reverencia à sua poesia!!!

    credo!! - até me caiu da boca...

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  3. Olhe do que me fui lembrar...
    de Alberto Caeiro

    Eu nunca guardei rebanhos,
    Mas é como se os guardasse.
    Minha alma é como um pastor,
    Conhece o vento e o sol
    E anda pela mão das Estações
    A seguir e a olhar.
    Toda a paz da Natureza sem gente
    Vem sentar-se a meu lado.
    Mas eu fico triste como um pôr de sol
    Para a nossa imaginação,
    Quando esfria no fundo da planície
    E se sente a noite entrada
    Como uma borboleta pela janela.
    Mas a minha tristeza é sossego
    Porque é natural e justa
    E é o que deve estar na alma
    Quando já pensa que existe
    E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
    Com um ruído de chocalhos
    Para além da curva da estrada,
    Os meus pensamentos são contentes,
    Só tenho pena de saber que eles são contentes,
    Porque, se o não soubesse,
    Em vez de serem contentes e tristes,
    Seriam alegres e contentes.
    Pensar incomoda como andar à chuva
    Quando o vento cresce e parece que chove mais.
    Não tenho ambições nem desejos.
    Ser poeta não é uma ambição minha
    É a minha maneira de estar sozinho.
    E se desejo às vezes
    Por imaginar, ser cordeirinho
    (Ou ser o rebanho todo
    Para andar espalhado por toda a encosta
    A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
    É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
    Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
    E corre um silêncio pela erva toda.

    Quando me sento a escrever versos
    Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
    Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
    Sinto um cajado nas mãos
    E vejo um recorte de mim
    No cimo dum outeiro
    Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
    Eu olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
    E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
    E quer fingir que compreende.
    Saúdo todos os que me lerem,
    Tirando-lhes o chapéu largo
    Quando me vêem à minha porta
    Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
    Saúdo-os e desejo-lhes sol,
    E chuva, quando a chuva é precisa,
    E que as suas casas tenham
    Ao pé duma janela aberta
    Uma cadeira predilecta
    Onde se sentem, lendo os meus versos.
    E ao lerem os meus versos pensem
    Que sou qualquer coisa natural

    Por exemplo, a árvore antiga
    À sombra da qual quando crianças
    Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
    E limpavam o suor da testa quente
    Com a manga do bibe riscado.

    Beijinho
    João

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  4. Salve, pastora de palavras.
    Sim, também eu me lembrei de Alberto Caeiro. Mas por que não de Cecília Meireles ao mesmo tempo?! Cecília que num poema se disse "pastora de nuvens".
    As nuvens muitas vezes ficam negras, como as palavras, mas a chuva e benéfica para a terra ou para o poema. Viva a beleza!
    Parabéns.
    Um grande abraço.

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  5. Que cresca sã essa erva...
    Mesmo que seja devagar, devagarinho...
    Ai terá pasto com abundância, quando no remanso do prado a inspiração vier...
    Mas cuidado, existem também os lobos em pele de cordeiro nesses textos baldios...

    Bjs dos Alpes do lado de cá

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