Carmen Cupido
Um diminuto berço me recolhe onde a palavra se elide na matéria, na metáfora, necessária, e leve, a cada um onde se ecoa e resvala (Luiza Neto Jorge)
segunda-feira, 29 de março de 2010
Erva Musa Menina
Sou um pastor que conduz seu rebanho
Bem, confesso: Conduzir, conduzir
Não conduzo, ou seja, deixo-me ir
Porque só tenho palavras negras
Disfarçadas de ovelhas
Que não respeitam regras
E que vão soltas, cada uma ao seu ar
Pastar, nos cardeais pastos da escrita...
Às vezes, eu, simples pastor a guardar seu rebanho
Esqueço quem sou, no letargo sonho de quem aguarda
Que as ovelhas que guarda,
Encham a pança com abundância
E ergo-me, gigante, a furar o horizonte
Como se no breve sono não fosse pastor de poema pequeno
Antes fosse um Baobab na savana africana
Que nem sequer tem que levantar os ramos para tocar o sol
Mas logo acordo, em sobressalto
E salto, de lá de cima, cá para baixo
Não vá eu queimar as pontas da pluma, a sério
Mesmo que o sol que me encandeia seja astro,
Não real, miragem
Na planura da pastagem
Tenho, pois, que admitir
Ser na poesia um simples pastorinho
A guardar palavras negras
Disfarçadas de ovelhas
Que não respeitam regras
Quando mastigam letras
Não tenho a altivez do condor
Não tenho a luz da lucíola
Nem a sabedoria das abelhas
Nem o cansaço das formigas
Sou apenas cigarra a cantar
Canções de embalar
À erva Musa Menina
Para que cresça...
Lenta; Lentamente!
(Carmen Cupido)
quarta-feira, 24 de março de 2010
Vidente
(Cat’s eye Nebula photo from NASA)
Vidente
O meu vazio
Que se adivinha
Pleno
De ti…
Evidente
Sem ti
Meu ventre
É
Terreno
Baldio
E tu vadio
Vidente
O meu vazio
Que se adivinha
Pleno
De ti…
Evidente
Sem ti
Meu ventre
É
Terreno
Baldio
E tu vadio
Mal
Desprendido
O fio
Corres
Solto
No espaço estelar do poema!
(Carmen Cupido)
segunda-feira, 22 de março de 2010
Nas janelas do teu rosto
(Foto de Tiago Phelipe olhares.com)
Há dois buracos negros que me engolem
Por detrás das tuas pálpebras, nas janelas do teu rosto
Mas não se cansa quem te olha e corre por gosto
Mistério a dentro, até ao centro
Do “Tu” planeta...
Fecho meus olhos, equilibro meus medos
Deslizando vou, pelos teus segredos
Duas lágrimas, uma pitada de sol
E uma semente de rosa, que vai nua
É o que trago no bolso das oferendas;
Sei que sou pobre de folhos e rendas
Mas a passagem antes escura, abre-se airosa,
E o caminho continua
Não insisto, à força que me leva, não resisto
Deixo-me arrastar, e quando enfim chegar
Ao outro lado de ti; Hei-de lá plantar
Um jardim suspendido no alto do teu ventre
Com duas lágrimas, uma pitada de sol
E uma semente de rosa, que vai nua
E eu e tu, mão na mão, sentados sob a lua...
(Carmen Cupido)
quinta-feira, 18 de março de 2010
Amen
(Rezar, Fundo de ecrã de olivierelissalt)
Despiste-te de mim, aflito
Ausente maldito
E como um velho vestido, estorvo, empecilho
Assim caí eu, farrapo, a teus pés...
Vai-te! Não te aguento!
Vai, ó espavento, com o primeiro vento
E que o diabo te carregue
Odeio a nuvem demente
Que sempre vai a contrário senso
Da minha ânsia, que te roga presente
Em cada gota de chuva que rega, que cega os meus olhos
Odeio!
Vai! E se voltares
Olha-me, olha-me bem:
Uma incubadora de larvas é o que fizeste de mim
Que me devoram em vida, nem sequer fria, ainda quente
Enfartando, alegremente
A pança ao bicho solitário...
Larvas, sim...
Nojentas, depravadas
Falsas as Musas, negras as Fadas
A ferrar o dente no que sou, no que sinto
Até que meu pranto; Num mórbido canto
Expulsa o feto poema das entranhas das palavras...
E a caminho,
Põem seus ovos, constroem seus ninhos
Nos altos ramos do céu da minha boca
Hóstias de fel que sugo à força
É a clarividência das pedras e dos espinhos
Que me deixaste no lugar da tua presença
A meter seus dedos na minha garganta
Fundo, tão fundo...
Até que num doloroso espasmo
Meu ventre, meu corpo, meu todo em marasmo
Vomita, se desfaz, se esvazia
Em rios de purpúrea poesia
E ainda devo vergar e dizer-te:
Ámen?
(Carmen Cupido)
domingo, 14 de março de 2010
E por falar em decote...
Coisa Pequena
(Desconheço o autor mas apelo a quem conheça... porque cada autor
merece ver reconhecido o mérito do seu trabalho!
Foto encontrada aqui: http://fotos.sapo.pt/EQycmOYzbmAr5bZ1av96/)
Um rato, coisa pequena
Ligeiro como uma pena
Cava a montanha
Escava com garra
É muita a desgarra
Mas a obra é tamanha
Não desiste
Ofegante, insiste...
Com unhas em guerra
Lá vai perfurando a terra
Avançando de manso
Exausto, mas sem descanso
No cândido ardor
Do labirinto que traça, ai o gigante labor
Nem olha os cristais
Passa indiferente ao minério
Para quê riquezas tais?
Se procura um bem maior, o mistério
Do ventre da Montanha!
(Carmen Cupido)
terça-feira, 9 de março de 2010
Poesia decote em V
(Seio ou Vulcão Foto de Demetrio Barreto olhares.com)
Vacilam cambaleantes os pés de quem admira
E retém, na retina, a paisagem que mira...
É a vacuidade preenchida do olhar vagabundo
Que parte à ventura, procurar céus na varanda do mundo.
Vale fértil de sagrados onde vagueiam
Mãos invisíveis que tacteiam
Cavando na vaniloquência do majestoso
Uma vala de silêncio mais que verboso.
Veiga de amores onde a imaginação lavra lumes
Vela ao vento, em intimo mar, porque quer navegar
No veio, veia, filão de sensuais perfumes.
Vagidos fervem na vasilha da vida que é vergel
Para as bocas sedentas que se inebriam dele.
Viagem vértice vertigem ao absoluto feminino
Verso infinito, na pluma do poeta, hino
Poesia decote em V.
Ai Mulher! É de vulcão feito, o teu seio!
(Carmen Cupido)
domingo, 7 de março de 2010
O Sol lá fora
(No silêncio da escuridão, foto de Primo Tacca Neto)
Mea culpa
Se tranco o sol lá fora fechando a portada
Da janela da vida que passa; e minha alma encerrada
Louca late, pulsa, inflamada pupa.
Não sei porquê, mas sinto-me muda,
Que a minha boca se desnuda
Como árvore de outono em seu invernal sono
E que os sons são só folhas mortas
Húmus do silêncio a encerrar as portas
Da minha voz.
Não enxergo a luz,
Raio a raio, ela se esfuma
Neste buraco negro do que sou
Nada brilha, nada reluz
E eu aqui, coberta de um cendal de escura espuma,
Sem saber onde estou
Aquela estrela pálida que avisto
Do fundo deste castelo cavernal que habito...
Serei eu? Estarei no escuro
Sem saber que sou cadente astro
Meteoro de incandescente rastro
A atravessar o horizonte, cavaleiro ilustre, valente
Montado na sela de um caule órfão de flor
Mas com sonhos no ventre?
Quem me fez assim, feita de noite e de fel
E porquê se perdem em mim a canela e o mel?
Mil vezes desaparafuso, juro
Meu umbigo e o situo
Mais aquém, mais além
Para que a minha alma, engrandecida
Solte ao sol sua sílaba retida
Como se esta fosse rouxinol
A chilrear, o cantor
Cantando um hino de amor
À manhã macia e clara
Mas minha palavra, ora obscurecida, ora encandeada
Sente eternamente um toque gélido de serpente enrolada
A roçar-se provocantemente na pele do poema!
Porquê? Porquê?
(Carmen Cupido)
quinta-feira, 4 de março de 2010
Simplicidade
Desprendem-se as palavras
Do peito da Poetisa
Com a mesma simplicidade
Com que cai a folha...
A folha...
Cor do ardor
Que estremeceu
O coração das árvores
Quando o frio
Da realidade se misturou
Ao calor dos sentimentos...
Soltou-se
No seu último
Suspiro de vida
No ramo do poema...
Flutuou no espaço
Corpo de poesia
Meio acordada meio adormecida
Já com um pé no sonho que há-de vir...
E logo veio cair
Aos pés do outono
Adubando-lhe o ventre
Com húmus de primavera!
(Carmen Cupido)
terça-feira, 2 de março de 2010
Cidade
(A Cidade pintura a oléo de Miza Pintor)
No asfalto da cidade,
Rosas não há.
Ali, só crescem narcisos
Que de beiça colada ao espelho,
Admiram seus umbigos rosáceos.
Liames de gente
Com olhos maiores do que a barriga
Cortam, sem dó,
O pulso ao rumor das folhagens
Que late, rouco e verde,
E numa derradeira pulsação
Canta a sua última canção
De ninar aos pássaros nos ninhos.
Erguem-se paredes de ferro e betão
No lugar do amendoal, do olival
Dos tojos, das papoilas e do cevadal
E o ventre da terra violada
Infanta agora só torres verticais
Que levam na ponta punhais
Para rasgar a garganta ao céu.
Ali, rosas não há. Ai não, não há...
E se houvesse, suicidavam-se com o desgosto!
Nos jardins, só pedaços de carne sobre patas
Se entre comem, salivam sangue, jubilam com gosto
E ocupados no jogo do Predador que come o cordeiro
Nem vêem que o dia novo
Se asfixia no ovo
Com o muco ensanguentado
Que a terra tosse!
(Carmen Cupido)
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